Mais água

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Enchentes enchem a paciência. São sempre idênticas imagens: casas inundadas, ruas intransitáveis, árvores derrubadas, bueiros entupidos, pessoas mortas. Como no século 21 alguém pode morre por conta de chuva forte?

Em 1966, no Rio de Janeiro, houve uma inundação monumental. Nós morávamos na Tijuca em frente ao rio Maracanã. Ele transbordou. Em segundos, a água barrenta invadiu nossa casa.

Encharcou os livros que tinham sido do meu avô Walter. Entre eles, um do Graciliano Ramos autografado. Era o Memórias do Cárcere. Meu avô Walter havia sido tenentista.

Em 1935, por participar da Aliança Nacional Libertadora (ANL), foi preso pelo ditador Getúlio Vargas. Ele e o autor de Vidas Secas se conheceram na prisão. Não ficaram amigos, mas se respeitaram. Um ano após cumprir pena, meu avô morreu.

Tempos depois, minha avó se casou com um judeu chamado Júlio. No dia da enchente, esse avô postiço e querido estava em casa.

Ao observar a excitação das crianças, contrastando com o pânico dos adultos, vovô Júlio contou que na sua aldeia natal, na então Tchecoslováquia, as crianças também se maravilhavam com as fogueiras acendidas pelos nazistas.

As crianças judias não sabiam o significado exato de um progom. Nós não sabíamos a extensão catastrófica de uma enchente. Ver o mundo com olhos infantes é uma festa.


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3 respostas para “Mais água”

  1. […] as margens e invadiram as casas ao redor. A dos meus avós virou uma lagoa barrenta. Os adultos se desesperaram. Nós, as crianças, nos divertimos pra valer. Ficamos torcendo por uma segunda invasão (que se […]

  2. […] do que a minha. Nos domingos, eles pulavam da cama e numa velocidade incrível ganhavam as ruas da Tijuca para brincar. Comigo era diferente. Sempre saía depois deles, pois havia mais panos para cobrir o […]

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