Na esfera Gutenberg – cujo reinado soma mais de 500 anos – um autor só tem a possibilidade de corrigir, suprimir, acrescentar palavras e frases no seu texto quando das chamadas reedições. O que é raridade, pois a imensa maioria dos livros físicos, no mundo inteiro, ficam na primeira edição.
Mas – tchan, tchan, tchan – chegaram as plataformas digitais e com elas a maravilhosa possibilidade de trabalhar com rascunhos infinitos. Corrigir erros de ortografia, trocar palavras, mudar semânticas se tornaram tão fáceis quanto descascar uma banana. O provérbio: Escreveu, não leu, o pau comeu se tornou tão anacrônico quanto as fichas telefônicas.
Acontece muito comigo. Compartilho um post do meu site nas redes sociais, e vem uma mensagem amiga avisando algum erro: Você escreveu pousar, mas no caso o correto é posar. Ou então: Se a personagem do conto se chama Ana, por que de repente você escreveu Maria? Meu coração fica agradecido e meus dedos correm para o post. Um, dois, cinco segundos depois tudo corrigido. Tudo certo.
Então responde, poderá existir paraíso mais paradisíaco do que esse? A publicação digital é o jardim do Éden dos escribas. Pois ela nos dá a vantagem de melhorar a qualquer momento. É a oportunidade dourada da reedição imediata.
Faz um tempo, postei um texto redigido em 1981. Foi emocionante ler-me aos 25 anos. Vi uma escrita com vísceras e sem técnica. Agradeci às deusas a chance de domesticar o texto tornando-o mais comunicativo. Aparei exageros, consertei a pontuação. Tudo isso mantendo o espírito do texto e da jovem escriba.
Com outra postagem – também bem antiga – vivi uma experiência contrária. Relendo o texto Minha amiga se matou, percebi que não havia nada a mudar ou reparar. A emoção escrita em 1986 não havia envelhecido. Talvez porque emoções afinal não envelheçam. Optei por postá-lo tal qual.
Ter opções é a circunstância mais relevante e divertida da escrita digital. Na lógica dos impressos você acerta ou não. Erros de revisão, um parágrafo mal construído, um título infeliz podem anunciar o velório do autor.
Até mesmo porque o tempo entre um texto publicado e o seguinte é extenso. Às vezes com anos de intervalo. Já com os blogs quem determina o tempo do silêncio entre as postagens é o blogueiro. Não depende de mais ninguém.
Também é fato que as publicações digitais aumentam a responsabilidade. Não há a quem culpar – revisores, editores, impressores – se o trabalho sair ruim. Aliás, glória e fracasso têm um só endereço. O seu domínio www.
Brinde:
Quer comentar, agora é fácil demais
Foi emocionante ler-me com aos 25 anos. Vi uma escrita com vísceras e sem técnica. Agradeci as deusas a chance de domesticar o texto tornando-o mais comunicativo.
Já que você gosta que corrijam deslizes – eu também gosto que corrijam os meus – acho que falta crase em agradeci às deusas.
E tem alguma coisa faltando ou sobrando em “ler-me com aos 25 anos”
Muito bom, Sonia. Está corrigido. Beijo e obrigada!
Fernanda,
Exerço todas as faculdades a mim concedidas para com sua leitura. No tocante a reinterpretá-la, não consigo. Minha admiração a proíbe. Por isto, não posso negar que do lado de cá mora uma fã. Simples assim!
Regina Palombo, obrigada. Fico-mais-que-orgulhosa com o seu comentário. Grande dia pra você!
[…] ando líquida, interneteira, blogueira. Hoje sei que posso escrever, errar, corrigir, rescrever, editar novamente. A palavra impressa me dá medo. Pois sei que o escrito estará tal qual daqui a um mês ou 40 […]
[…] em páginas impressas. Também tinha muita coisa escondida nas gavetas. Como o blog, esses textos voltaram a viver. Ganharam novos […]