Claudia Andujar, fotógrafa

Claudia Andujar é conhecida internacionalmente pela beleza de suas fotos e pela luta aguerrida a favor do povo Yanomami. Seu trabalho integra acervos de importantes museus…

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Claudia Andujar é conhecida internacionalmente pela beleza de suas fotos e pela luta aguerrida a favor do povo Yanomami. Seu trabalho integra acervos de importantes museus espalhados pelo mundo. No ano 2000, ela ganhou 0 Prêmio Cultural Freedom da Fundação Lennan.

Seu apartamento paulistano fica no vigésimo andar de um prédio no bairro dos Jardins. A vista de sua ampla sala abre-se para uma área de espigões empedernidos. É nesse ambiente que Claudia Andujar revisita uma vida de trabalho. A grande fotógrafa decidiu ser a hora e a vez de devolver para o Brasil e para o mundo mais de meio século de fotografia.

Tenho um arquivo de 15 mil imagens, resultado de décadas de trabalhos e vivências, revela. Quero compartilhar com as pessoas. O primeiro filhote da revisitação nasceu, em 2005, na forma de uma mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo e da edição do livro A Vulnerabilidade do Ser. Na publicação, encontra-se o mais representativo da obra de Claudia Andujar: a capacidade de olhar dentro do outro, como ela gosta de frisar. Não é à toa que a primeira imagem do livro é a de um parto, no exato e fantástico momento em que a criança vê a luz.

Todas as outras fotos contam da aventura de ser, narram a persistente luta dos vulneráveis para ter um lugar no mundo. As 91 fotografias publicadas, em preto e branco e coloridas, são uma delicada amostra da arte desta fotógrafa que influenciou gerações de fotógrafos. Com a Claudia e com seu maravilhoso trabalho, aprendi quase tudo. Ela me ajudou a encontrar minhas próprias asas, declara Nair Benedicto, outra gigante da fotografia brasileira.

Expressar-se foi sempre imperioso para Claudia Andujar. Na infância, ela escrevia, em húngaro, versos nas paredes do quarto. Meus pais se divorciaram quando eu tinha 7 anos. A vida ficou complicada. Eu escrevia poemas para entender o que se passava dentro de mim e a minha volta, lembra. O que ela achava então complicado ficaria muito mais. Nascida na Suíça, com o nome de Claudine Haas, mudou-se ainda pequena para a Transilvânia, na Romênia. Sua mãe era uma suíça protestante, seu pai, um húngaro judeu.

Em 1944 com a fúria nazista do III Reich, o pai e toda a família paterna foram deportados e assassinados em Dachau, campo de extermínio alemão. Claudia tinha 13 anos. Ela e mãe conseguiram fugir para a Suíça. Deixaram para trás a casa, os móveis, os amigos, o país. Depois da Suíça, Claudia foi viver com um tio em Nova York. Lá aprendeu inglês, estudou Humanidades e conheceu seu primeiro marido, Julio Andujar, de quem adotou o sobrenome. Casamos novinhos, éramos duas crianças, nos divorciamos logo depois, rememora.

Anos mais tarde, ela voltaria a se casar com o fotógrafo George Love, de quem também se separou. Claudia não tem filhos. Foi também em Nova York que ela começou a pintar. Acho que abracei a pintura pela necessidade de seguir expressando-me. Por causa das mudanças de línguas, fui perdendo a sensibilidade para as palavras, diz com uma pontinha de pena.

Até então, a fotografia não havia entrado em sua vida. Aliás seu encontro com a máquina fotográfica aconteceria, meio por acaso, no Brasil. Em 1955, aos 24 anos, ela resolveu visitar a mãe que, casada com um romeno, emigrará da Suíça para São Paulo. Claudia chegou e ficou até hoje. Aqui, ao contrário dos Estados Unidos, encontrei um povo aberto. Fui muito bem recebida, explica.

Para se sustentar, começou a dar aulas de inglês em uma escola. Nas férias, punha os pés na estrada. Ela rememora: Eu conhecia pouca gente, falava mal o português, mas tinha uma necessidade absoluta de percorrer o país que, na verdade, não é um só. São muitos Brasis. Para registrar as diversas gentes, comprou sua primeira máquina fotográfica, uma Roliflex. Também andou fotografando pelo Chile, Peru, Argentina, Bolívia.

Passei a montar álbuns despretensiosos e mostrar para meus novos amigos. Entre os novos amigos estava o antropólogo, então diretor do Serviço de Proteção ao Índio, Darcy Ribeiro (1922-1997). Foi ele quem encorajou Cláudia a conhecer os Karajá na ilha do Bananal, em Goiás, (hoje, Tocantins). Ela topou, conviveu por dois meses com os indígenas e foi mordida pelo projeto de se tornar uma fotógrafa de tempo integral.

Voltou para São Paulo com um extenso material e comprou uma passagem para Nova York. Lá fiz contatos. Gostaram do meu trabalho, lembra. O curador do Museu de Arte Moderna (MoMA) comprou algumas fotos e a estimulou a seguir na carreira. Também teve algumas fotos publicadas nas revistas Life, Look, Jubiee, Fortune, Aperture.

A partir daí, talento e oportunidade se encontram no Brasil. Em 1966, nascia a revista Realidade da editora Abril. Voltada para as grandes reportagens, Realidade reuniu o que havia no mercado de melhor entre os profissionais do texto e da imagem. Claudia Andujar foi convidada para integrar a equipe de fotógrafos. Comecei a trabalhar e me dei muito bem com os colegas e com a proposta editorial. A revista permitiu que eu me dedicasse integralmente ao fotojornalismo, conta.

Os editores da revista achavam que Claudia tinha facilidade para entrar em qualquer tipo de ambiente. Por meio das imagens, me aproximo e dialogo com as pessoas, concorda. Muitas de suas fotos viraram capa da Realidade, sendo que uma delas, a que mostrava um parto, foi apreendida pelo governo militar, os censores a consideram um atentado à moral e aos bons costumes, ela relata com uma mistura de orgulho e frustração.

Realidade também proporcionaria o grande encontro da europeia com os indígenas Yanomami. A coisa se deu novamente meio por acaso. Eu havia feito uma série de fotos sobre a Amazônia. Quando cheguei em Manaus para pegar o avião para São Paulo, ouvi rumores de que um padre havia sido morto entre os Yanomami. Nunca tinha ouvido falar desse povo indígena, mas farejei aí uma boa reportagem. Fui para Roraima. Não descobri como o padre morreu, mas fotografei para valer a comunidade Yanomami. Quando o material chegou na redação, de tão bom, virou uma edição especial.

Apaixonada pelos Yanomami, Claudia deixou o fotojornalismo. Conseguiu uma bolsa da Fundação Guggenheim e, mais tarde, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para mergulhar no universo do outro, para conhecer e fotografar a identidade de um povo com uma cultura riquíssima, ao lado de ameaças de extinção constante, frisa. De 1972 a 1977, ela fez várias viagens às aldeias, em todas elas, permanecendo por longos meses. A fotógrafa testemunhou o drama causado pela construção da estrada Perimetral Norte, que rasgou o sul das terras Yanomami.

A trombada entre os indígenas e os trabalhadores da Perimetral explodiu em doenças, prostituição, fome e extermínio dos Yanomami. Eles morriam como moscas. Comecei a sentir que, naquele momento, fotografar não era o mais importante. Era preciso lutar ao lado deles, conta emocionada.

Mas, em 1977, a Fundação Nacional do Índio (Funai) expulsou Claudia Andujar da área. Alegaram que ela era um elemento estranho, infiltrado entre os índios. Triste e frustrada, ela voltou ao apartamento em São Paulo, mas não se entregou. Neste mesmo ano, publicou dois livros Amazônia e De frente ao eterno: uma vivência entre os índios Yanomami.

Também criou, ao lado de amigos, a Comissão Pró-Yanomami (CCPY), com o objetivo de pressionar o governo brasileiro para demarcar o território indígena. O amigo e missionário Carlos Zacquini, um dos fundadores da Comissão, diz: É difícil definir com rapidez o que Claudia Andujar simboliza para os Yanomami. Talentosa articuladora, generosa e corajosa, ela fez de sua vida uma missão para ajudar um povo ameaçado.

Por duas décadas, a fotógrafa viveu em torno da causa Yanomami. Foi a articuladora da Campanha nacional e internacional pela demarcação da terra e criação do Parque Yanomami. Suas fotos denunciaram a invasão garimpeira, quando 15% da população indígena foi dizimada pela violência e por doenças. Finalmente, em 1990, o governo brasileiro demarcou a Terra Indígena.

Demarcado o território, seguimos com o trabalho de alfabetização bilíngüe e programas de saúde, meio ambiente e tecnologias. Em 2001, senti que havia chegado a hora de passar a coordenação da Comissão para os novos que estavam chegando, pontua.

Também havia chegado o tempo da guerreira voltar para sua aldeia no bairro dos Jardins. A hora e a vez de revisitar a própria obra. É exatamente o que ela anda fazendo com todo amor. Sou pessimista com o que está acontecendo no mundo, mas sinto um afeto incomensurável pelo ser humano”, conclui.


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2 respostas para “Claudia Andujar, fotógrafa”

  1. […] houve e há vozes que se levantam para defender os povos indígenas no seu direito de existir e ser como […]

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