Ana Montenegro (1915 – 2006)

“Aos 90 anos, a gente tem muito o que contar. Escolher o quê é que são elas” 1945 não foi um ano qualquer. Celebrou o término…

Foto: Aristides Alves Foto: Aristides Alves

“Aos 90 anos, a gente tem muito o que contar. Escolher o quê é que são elas”

1945 não foi um ano qualquer. Celebrou o término da Segunda Guerra Mundial e o fim de mais uma ditadura brasileira, a de Getúlio Vargas. Ano interessante: contra as carnificinas e os fascismos, a favor das liberdades e dos direitos políticos. Foi também o ano em que Ana Montenegro filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro – PCB. Ela, que já lutava pelo socialismo, tornou-se uma comunista “de carteirinha”.

O casamento com o PCB foi feliz. Ana transitou com desenvoltura pelo léxico da esquerda, responsável pela popularização de palavras e expressões como “companheiro”, “solidariedade”, “compromisso”, “luta de classes”, “povo brasileiro”.  Também sentiu-se em casa com o engajamento partidário, por ser dessas timoneiras que acreditam no organizar-se como única maneira de, contra ventos e tubarões, alcançar o porto sonhado. “Quero que as pessoas criem organizações para lutar contra as injustiças e resolver suas necessidades.”

De fato, ela foi uma criadora de organizações. Inclusive de associações de mulheres, quando a maioria dos companheiros homens não levava a sério os esforços femininos pelas emancipações econômica e profissional. Ana foi uma das fundadoras da Federação de Mulheres do Brasil, criada em 1949. Também ajudou a alavancar associações populares ligadas a um sem-número de lutas sociais. Tornou-se figura de proa onde houvesse gente organizada reivindicando comida, saúde, moradia, educação, salários.

Tudo em Ana Montenegro, natural da cearense Quixadá, lembra o verbo agir. Para ela, o pensamento só tem valor se levar à prática. Começa por sua por sua definição do que é respeito: “Compreender as necessidades das pessoas”. A consciência aguçada de que todos têm necessidades e merecem atenção, a levou a cursar Direito numa época em que pouquíssimas saias circularam pelas universidades. “Eu percebia as pessoas do povo vivendo com mil dificuldades, decidi ser advogada para ajudá-las com seus direitos.”

Hoje, quando ultrapassou 90 anos de vida, Ana segue dando o mesmo conselho para jovens advogados: “Abram o coração de vocês para o povo, ele é o principal mestre do Direito”. Com inabalável  convicção, ela continua socialista “porque o socialismo prega a igualdade dos seres”.

Que os apressados não concluam que Ana Montenegro é do tipo tarefista,  entregue à ação sem muita reflexão. Bem ao contrário, além de visitar os filósofos gregos, Ana é amante das palavras vestidas de prosa e de poesia. “Creio que a expressão maior de uma pessoa é o poema.” A comprovação é que ela escreveu sem parar em jornais e revistas ligados ao ideário comunista. Fundou e dirigiu, por dez anos, o jornal Momento Feminino. Foi redatora da revista Mulheres do Mundo Inteiro, editada em espanhol, francês, inglês, árabe e russo.

A ação fundada na palavra, a palavra grávida de ação. No Rio de Janeiro, escreveu para veículos de massa, colaborou no lendário Correio da Manhã e redigiu programas para a não menos lendária Rádio Mayrink Veiga.

Em 1964, com os tanques na rua e a truculência de farda à vista, aconselhada por Carlos Marighella – um dos mais famosos guerrilheiros do Brasil, assassinado pelos militares –, Ana partiu para o exílio de quinze anos. Foi para o México com dois filhos pequenos, Sônia e Miguel. Depois viveria em Cuba e na Alemanha Oriental. “O exílio é um espaço vazio, o exilado não o pode povoar nem de pedras, nem de casas, nem de céu, porque é um espaço vazio de lembranças.”

Ana Montenegro voltou ao país de suas lembranças em 1979, por ocasião da anistia política. Escolheu morar na Bahia, onde fixou residência. Retornou para seguir fazendo o que sempre fez: agitação e mobilização populares. Apoiou “invasões” em bairros periféricos da cidade de Salvador. Lutou ao lado de moradores pobres do Centro Histórico Pelourinho, quando a região ficou à mercê da especulação imobiliário-turística.

Os anos de exílio fizeram Ana Montenegro repensar o Brasil. Ela adquiriu uma consciência política mais adensada. A luta antirracista e a favor dos direitos específicos das mulheres ganhou sentido maior. Passou a fazer atendimento jurídico às mulheres em situação de violência na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Bahia), além de participar das propostas para a última constituinte brasileira.

Na casa de Salvador, cidade onde o mar prova que o horizonte não é miragem, ao lado dos netos, Ana escreveu poemas, ensaios, prosa farta. Entre os títulos, Tempos de Exílio ePelourinho – entre o Colorido das Paredes e a Injustiça Social. Também escreveu, com Jardilina de Santana Oliveira, o livro Falando de Mulheres.

Sobram atributos relacionados a Ana Montenegro. Mulher da ação e da palavra. Ela, que atravessou e foi atravessada por quase um século de história política, insiste em recitar versos: “Flores no céu/ flores na terra./ Flores nos teus ombros / flores no teu rosto./ Flores em todos os locais / flores até em agosto”.


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5 respostas para “Ana Montenegro (1915 – 2006)”

  1. […] professores, estudantes. O exílio, na maior parte dos casos, atingiu também os familiares. Ana Montenegro (1915-2006), exilada por mais de 20 anos, escreveu: O exílio é um espaço vazio, o exilado não o […]

  2. […] de mulheres do mundo inteiro. Foi lá que tive o privilégio de conhecer a pensadora e escritora Ana Montenegro (1915 – 2006). Ana começou a trabalhar com as mulheres na década de 1940 e tinha muito a […]

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  4. […] mujeres del mundo entero. Fue entonces que tuve el privilegio de conocer la pensadora y escritora Ana Montenegro (1915 – 2006). Ana empezó a trabajar con las mujeres en la década de 1940 y tenía mucho que […]

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