Ele foi concebido na esquina da rua Rodésia com a Harmonia, na Vila Madalena. Sua mãe, uma fox terrier, se engraçou (melhor dizer, se enroscou) com um cocker. Deu no Chico, vira-lata de primeira geração.
Conto que ele sempre foi um tipo nervoso, de pelos arrepiados, focinho para cima, caninos agudos. Na sua juventude, pegava biscoitos e borboletas no ar. Pressentia a presença de um igual a longas quadras. E se punha em posição de ataque.
Que não me venha nenhuma psicóloga dizer que os cães são resultado da criação. Pois o meu Chico nunca ficou preso, sempre foi o rei do sofá, passeia todas as manhãs. E jamais recebeu um peteleco.
A realidade é que ele detesta outros cães. Já gastei bons reais para consertar o nariz do cachorrinho da vizinha, a pata de uma cadela de grande porte do guarda da praça. A agressividade, me disse um veterinário, é da natureza dele.
Mas, além de feroz, ele é doce. Faz o maior auê quando entro em casa. Salta, abana o rabo, lambe. É tão bom! Ele me ama sem questionar se eu sou uma pessoa bom caráter ou não. Também não dá a mínima para o que eu escrevo.
Vida que voa, meu Chico envelheceu. Nos últimos meses, parece que ele engatou uma quinta marcha ladeira abaixo. A cada mês vem uma má novidade. A última, são os engasgos noturnos.
Está surdo, isso mesmo, como uma porta. Tem dificuldade de subir na cama e de descer a escada. E cegueta. Não enxerga na frente do nariz nem biscoito, nem borboleta. Nem percebe a aproximação de seus antigos inimigos.
No entanto, no passeio da manhã de hoje, a mais ou menos 100 metros de distância de onde estávamos, um pastor alemão cruzou a rua. O meu Chico se encorpou, se pôs em posição de mordida.
Deu um puxão na guia e saltou, a plenos pulmões, seu latido de guerra. Por sorte, o pastor vinha preso ao lado do dono. No final tudo se resumiu em caras e focinhos feios dos dois lados.
A cena me provocou insight, lampejo: meu cachorro – surdo, vacilante, cego – está vivo. Vivíssimo. Da mesma forma, que muitos velhinhos e velhinhas mundo afora. Quando a gente pensa que eles desistiram, de repente, eles escancaram a garra.
Leia mais sobre o Chico na rua Lemos Conde
Temos aqui em casa um “amigo”‘ do seu Chico. Arnold, um canário belga de quase 14 anos, a quem chamamos de fênix.. Segundo veterinários especializados em aves, não existe registro em nenhuma literatura sobre o tempo que ele já vive. E
ele é assim também, sempre bravo, ranheta, cegueta, velhinho e quando a gente acha que ele está para partir, ele ressurge das cinzas e começa a cantar.
E sobretudo é uma graça… meigo, nos chama ao acordar e principalmente quando cai do poleiro e não consegue mais voltar. ❤️
Nossa, Lina, só de você contar já me apaixonei pelo Arnold! Bem-vinda ao site! Fico feliz. Abraço.
Adorável Chico.
Silvana querida, Chico foi (é) um grande amor.
[…] último 25 de abril deste ano, completou 2 anos que perdi meu cachorro Chico. Ele foi meu companheiro cotidiano por 16 anos. Fiz as contas na calculadora: 5.840 dias […]