Eu não funciono a gritos
Os pés no solo da pátria amada. Os pés na velha rua, na antiga casa. Os pés de volta aos empregos e às universidades. Os pés fora das prisões, dentro das seções eleitorais. Os pés correndo ao encontro da esperança. A Lei da Anistia, promulgada no 28 de agosto de 1979, pôs os pés do Brasil no caminho da redemocratização.
Para consegui-la, cidadãos saíram às ruas, receberam gases lacrimogêneos nos olhos e cacetadas nas costas, na cabeça, nos braços. Muitos acabaram fichados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Não obstante, a plenos pulmões, seguiram gritando: Pela Anistia ampla, geral e irrestrita!
Uma das principais responsáveis pela mobilização nacional e pela vitória do perdão político, atende pelo nome de Therezinha de Godoy Zerbini. Ela foi mentora e figura de proa do Movimento Feminino pela Anistia. O que me moveu foi a indignação. Doía ver uma geração inteira massacrada pelo autoritarismo. Aliás, indignação e pensamento livre são fundamentos da personalidade dessa cidadã nascida em 1928.
Aos 17 anos, ela foi internada em um sanatório para tuberculosos. O médico a proibiu de abrir a janela, tomar ar, sair do quarto. No outro dia, ela olhou-se no espelho e levou um susto: Eu era a sombra de mim mesma. Decidiu: já que morreria, ao menos o faria com dignidade.
Abriu a janela deixando o ar circular, encheu a banheira e tomou um prolongado banho. Penteou-se, aprumou-se e foi passear pelos corredores. O doutor, ao saber da insubordinação, ficou histérico e começou berrar com Therezinha. Ela expulsou o médico do quarto. Deixei claro para ele que eu não funcionava a gritos.
Therezinha se curou e tempos depois se casou com o futuro general Euryale Zerbini, falecido em 1982. Tiveram dois filhos e foram tocando a vida. Ele mexendo em política, ela toda ouvidos. Então chegou a quartelada e meu marido foi cassado no primeiro ato institucional. Quartelada foi o Golpe Militar de 1964, responsável pelo mergulho do país, por mais de vinte anos, no bordão do cala a boca ou esteja preso.
O casal Zerbini não se intimidou. Solidários transformaram sua residência do Pacembu, na capital paulista, em espécie de guarida para perseguidos da ditadura. Nossa casa se abria para todos que precisavam. Estava com fome, comia. Precisava dormir, dormia. Necessitava de dinheiro, a gente tentava dar um jeito.
Até que o cerco se fechou, Therezinha Zerbini foi presa em 1970. Passou três meses incomunicável. Dentro da cela, a palavra Anistia começou a rondar sua cabeça. Fora das grades teve de esperar, mas nunca desistiu da ideia.
O momento propício surgiu em 1975. Reunindo coragem e astúcia, somadas ao estímulo do general Zerbini, ela deu a largada para o Movimento Feminino pela Anistia. Nessa altura, as organizações políticas eram terra arrasada. Não podia sindicato, não podia grêmio, não podia nada.
Daí, ela imaginou o quanto seria difícil para a ditadura reprimir um grupo formado por donas de casa, mães, mulheres insuspeitas. O machismo dos militares e de seus civis anexos minimizaria o poder de fogo de um grupo de senhoras.
Acertou na mosca. O Movimento Feminino pela Anistia cresceu. Para aumentar a rede, ela pôs o pé na estrada. Foram criados núcleos na maioria dos estados brasileiros. Onde houvesse uma tribuna, ela falava. Com a língua solta, martelava para ouvidos sensibilizados ou moucos: Só a Anistia unirá os cidadãos brasileiros. Precisamos curar as feridas para seguirmos em frente.
Seguir em frente era reinventar a democracia brasileira. Processo que só se consolidaria com a Constituição de 1988. Mas não resta dúvida e a História confirma: o Movimento Feminino pela Anistia foi a aurora das liberdades democráticas. Ele não apenas favoreceu as vítimas do regime de exceção. Também oxigenou organizações populares, atraiu muitas mulheres para a esfera pública e inspirou novas modalidade de fazer política.
A advogada Therezinha Zerbini é, ao mesmo tempo, lendária e de carne e osso. Chamada de a Dama da Anistia, ela sabe que há necessidade de seguir lutando se quisermos um Brasil menos desigual e mais respeitoso com seu povo. Eu sou uma mulher de trabalho. Ela integra o diretório nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e é vice-presidente da Confederação de Mulheres do Brasil.
Sintonizada com questões emergentes, em 2000, fundou o Instituto Aberto Redenção das Águas (Iara) – organização não governamental voltada para o cuidado e a preservação do ouro do futuro. Na sua opinião, ter ou não ter água potável implicará em seguir existindo ou não a espécie humana.
Therezinha Zerbini afirma detestar dogmatismos e fazedores de cabeças alheias. Todo mundo tem o direito de pensar por conta própria. Foi seu amor à liberdade que ajudou o Brasil a reencontrar a democracia. E, a partir daí, reacender a esperança.
[…] De importância fundamental foi a criação do Movimento Feminino pela Anistia, por iniciativa de Therezinha Zerbini, Helena Greco e de outras valorosas […]
[…] Já! – Clara era figura obrigatória nos palanques improvisados. Ela aparecia ao lado da Therezinha Zerbini (1928-2015) – outra guerreira incansável. Nós – os jovens – olhávamos para as […]
[…] ¡Directas Ya! – Clara era figura obligatoria en los tablados improvisados. Aparecía al lado de Therezinha Zerbini (1928-2015) – otra guerrera incansable. Los jóvenes las mirábamos con sentimiento ambiguo – […]
[…] Diretas Já! – Clara era figura obrigatória nos palanques improvisados. Ela aparecia ao lado da Therezinha Zerbini (1928-2015) – outra guerreira incansável. Nós – os jovens – olhávamos para as duas com […]
[…] Já! – Clara era figura obrigatória nos palanques improvisados. Ela aparecia ao lado da Therezinha Zerbini (1928-2015) – outra guerreira incansável. Nós – os jovens – olhávamos para as duas com […]
[…] Mas corríamos – como corríamos! – da polícia, quando das passeatas e atos públicos. Fomos presos algumas vezes. Levamos jatos d’água. Encaramos brucutus. Tudo pelo Abaixo Ditadura! Tudo pelas Liberdades Democráticas! […]