A indiana Vandana Shiva é uma das maiores autoridades em ecologia e agricultura sustentável do mundo. Uma ecofeminista sem travas na língua e no pensamento.
Ela nasceu no ano de 1952, na cidade de Dehra Dun, aos pés da Cordilheira do Himalaia. Olhar, vez por outra, o Everest – o pico mais alto do mundo – deve ter influenciado seu jeito panorâmico de pensar, jeito de quem vê as árvores e a floresta. Hoje, Vandana Shiva é referência certeira quando o assunto é agricultura e consumo sustentáveis.
Mas a Ecologia não foi a sua primeira paixão. Formada em Física, andava interessada na dança das partículas no universo quântico, quando, nos anos 1970, participou, em uma floresta nos Himalaias, da mobilização de mulheres contra empresas madeireiras.
Ao ouvirem a motosserra, as camponesas amarravam-se às árvores impedindo que elas fossem derrubadas. O movimento vitorioso ficou mundialmente conhecido como Mulheres de Chipko. Em hindu, chipko significa abraçar.
A partir desse encontro, Vandana Shiva tornou-se uma espécie de porta-voz das comunidades que vivem da terra, seja na Índia, na Amazônia, nos campos africanos.
Autora de centenas de ensaios e uma dúzia de livros. Figura de proa em congressos, convenções e conferências que discutem a autossustentação da vida no planeta. Trocando em miúdos: como garantir que a vida seja possível para todos.
Vandana repete e repete: Não existem seres humanos descartáveis. Todos têm direito ao solo fértil para plantar, a água boa para beber e ao ar despoluído para respirar. Obviamente, Vandana tem inimigos. Poderosos, quando a arma é o dinheiro.
São seus antagonistas todos aqueles que enxergam o mundo como um gigantesco mercado, no qual absolutamente tudo dever ser uniformizado para a venda. Incluindo no pacote os bens naturais e comunitários: plantas medicinais, saberes tradicionais, culturas inteiras.
Desafiando os conglomerados
Em seus estudos e militância, Vandana Shiva cutuca com vara curta monopólios hiperbólicos. Por exemplo, a Monsanto, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial. Bate de frente com a biopirataria, isto é, a pilhagem de sementes, de plantas e do conhecimento dos povos da floresta.
Denuncia: Quando retirados dos países pobres a biodiversidade e seus produtos são considerados herança comum da humanidade, mas quando esses mesmos produtos são modificados, nos laboratórios do Primeiro Mundo, passam a ser propriedade privada das empresas.
Sua experiência também prova, por A mais B, o quanto é nefasto à vida e ao planeta pensar a natureza em partes isoladas. Se olharmos a árvore somente por causa da madeira, destruímos a árvore como alimento, como habitat de outras espécies etc. Se plantarmos uma única espécie de grão em uma vasta extensão, desfertilizamos por falta de diversidade o solo.
Para Vandana Shiva, agrotóxicos, sementes híbridas, transgênicos e companhias são os venenos da vida. Esses elementos insustentáveis não destroem tão somente a natureza, eles corrompem a cadeia de produção e coesão cultural das comunidades agrícolas.
Haja vista que, depois da comercialização de transgênicos, pela Monsanto, na Índia, surgiu uma onda de suicídios entre os pequenos agricultores.
Por quê? Eles compraram a idéia da monocultura, compraram herbicidas, compraram sementes transgênicas, portanto estéreis. Na hora de vender, por ordem do amarrado livre comércio, o preço de seus produtos escorreu ladeira abaixo.
Pela policultura das mentes
Vandana Shiva não é apenas do contra. Quando se trata de defender os saberes tradicionais dos povos da floresta, o conhecimento e o valor da biodiversidade, seu terceiro olho indiano se ilumina de entusiasmo.
Quando se trata de ressaltar a importância das mulheres na luta pela criação e manutenção da vida, ela escreve livros, peças, pega aviões, dá entrevistas para quem quiser ou não quiser ouvir.
É tocante ouvi-la falar de diversidade versus pensamento único. A idéia de que não existe apenas um saber a ser considerado. Ao contrário, todas as vozes merecem ser ouvidas! A voz do cientista da Harvard e a voz da agricultora de Bailique – o arquipélago que “baila” devido à força do rio Amazonas.
Mais do que isso. Vandana nos estimula a pensar redondo. Deixar de lado o raciocínio reducionista que enxerga a semente sem considerar o ambiente, enxerga a agricultura sem considerar os agricultores. Ela propõe que pensemos em sistemas articulados, que levem em conta a semente, o solo, as espécies, as pessoas, a vida enfim.
Publicado originalmente no Sateljornal, 2006.
Sob edição da Carminha Fernandes.