Brasilândia, bairro da periferia norte de São Paulo. Toda vez que podia a menina corria para a casa de sua avó Maria: “Lá a gente não aprendia a lavar roupa, aprendíamos a ser criativos e fazer arte. Minha avó era uma artista completa. Tocava bandolim, escrevia poesia, fazia exposição de santos”, revela a pintora, gravurista e ilustradora Biba Rigo, nascida em 1971. Ela continua: “Desde que me conheço por gente sempre desenhei, pintei, bolei historinhas visuais. Era como me mover em um universo paralelo para suavizar o fardo das lições da escola e dos trabalhos domésticos.”
Foi construído linha a linha o caminho que Biba fez da Vila Brasilândia, berço da escola de samba Rosas de Ouro, até o ateliê da outra Vila, a da badalada Madalena. Foi necessária muita elaboração interior para ela se tornar uma artista – entendendo artista como alguém que paga as suas contas com a arte que produz. “A questão da sobrevivência me acompanha sempre. Demorei para responder a pergunta: “Como ser artista e pagar aluguel, luz, gás e água? Em primeiro lugar acreditando no próprio valor. Em segundo, me aperfeiçoando e produzindo o tempo todo.”
Na adolescência, Biba Rigo imaginava que artistas plásticos tinham algo de especial, glamoroso, que expunham em galerias e brindavam com champanhe francesa. Ou seja, mundo não acessível para ela. Até que aos dezessete anos, os pais deixaram Brasilândia para morar na roça, em Fartura (350 km de São Paulo). Ela foi junto. De dia, trabalhava colhendo café. De noite, desenhava e desenhava. Ela conta: “Hoje sei que foi muito importante cavucar a terra, plantar e colher o que íamos comer. Isso me deu um sentimento de concretude que está presente no meu trabalho. Por exemplo, não crio no computador. Gosto da matéria. De transformar o palpável. Uso lápis, buril, pincel”.
Ao voltar para São Paulo, com vinte anos, Biba se casou, teve a filha Tarcila – hoje artista multimeios. Arranjou um emprego com carteira assinada e ponto para bater. “Mas a arte era um comichão. Eu adoeci ao tentar ser o que eu não era. Daí larguei o emprego e pintei seis telas de uma pincelada só”. Ela conseguiu vender uma delas na tradicional feira da praça Benedito Calixto, que ocorre aos sábados no bairro de Pinheiros. “Então pensei que daria para viver de arte! É claro, ia ser dureza. Mas e daí?”, arremata Biba.
Outro empurrão significativo foi o contato com organizações de mulheres. Biba passou a ilustrar livros, cartazes, cartilhas. Daí percebeu que era possível trabalhar com pintura em tecidos. “Costura é um ofício muito familiar para as mulheres. Comecei a preparar oficinas para habilitar as participantes. De repente, estava todo mundo criando”, conta Biba. Foi tão importante que a arte em pano virou uma marca visual de comunicação para alguns coletivos feministas, por exemplo, para as marchas Mundial de Mulheres e das Margaridas.
Deu tão certo que Biba relata, com humor, que tem sido cada vez menos chamada, “pois a mulherada se apropriou desse fazer.” Mais ou menos por essa época, ela também viveu outro encontro profícuo. Dessa vez com o budismo. Palavras dela: “Foi quando me veio a clareza de que o nosso desejo é também nossa missão. Comecei a entender que a arte vai muito além de uma ocupação ou de um meio de vida, ela é minha missão nesta vida. E para cumpri-la bem eu precisava e preciso melhorar a cada dia. Por conta disso desenho diariamente. A mão necessita de treino! Não espero a inspiração. Corro atrás dela”.
No ateliê da Vila Madalena, mantido em parceria com a escultora Luiza Sandler, Biba Rigo deixa permanentemente as portas e janelas abertas. Elas dão diretamente para a calçada. Artistas, amigos e vizinhos costumam passar por lá, seja para uma prosa, seja para criar alguma coisa. Ela se entusiasma: “Tem vizinho que entra aqui e palpita sobre um quadro em que estou trabalhando. Até o carteiro dá seus pitacos. E o surpreendente é que, muitas vezes, eles têm razão. Acredito profundamente no processo de fazer. Para mim, arte é processo e resultado. São etapas intimamente conectadas”.
Nos dias atuais, a menina dos olhos da artista é o coletivo-espaço Casa de Tijolo – que tem como endereço físico o próprio ateliê. A proposta é criar, estudar, debater, refletir. “No século XXI, o sentido de fazer arte é fazer junto. A obra pode ser individual, mas a inspiração é sempre coletiva. Ou se preferir, compartilhada. Se não, por que fazer?”, ela pergunta. Biba vive com o companheiro Tonho Penhasco, compositor e guitarrista de primeira qualidade. Ela confessa que ele sempre a estimulou a criar. E também a correr riscos. Mas, pensando bem, correr riscos é algo que Biba Rigo sempre fez. Todo criador é barco ao mar, nenhum sobrevive ancorado.
Conheça a Casa de Tijolo