Hoje quem caminha pelo centro de São Paulo tem um menu de prédios célebres. Mas um deles chama atenção por sua arquitetura e seu baú de histórias políticas, financeiras e humanas. Trata-se do Edifício Martinelli erguido no coração da urbe.
A construção do primeiro arranha-céu de São Paulo foi obra da vaidade e do empreendedorismo do imigrante italiano Giuseppe Martinelli (1870-1946). Ele desembarcou no Brasil aos 18 anos. Então foi de açougueiro a fundador da empresa Lloyd Nacional – que em 1922 possuía 22 navios.
Empresário bem sucedido e rico, Giuseppe queria deixar sua marca para a posteridade. Pois nada mais sólido do que uma robusta construção levando o seu nome. O início das obras teve início em 1924. Dois anos depois da Semana de Arte Moderna ter injetado ares de modernismo na cidade e no Brasil. Alguns anos mais tarde Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) traduziria com perfeição o espírito dessa época:
Stop
a vida parou?
ou foi o automóvel?
Para construir o gigante, Giuseppe Martinelli contratou um outro imigrante, o húngaro Willian Fillinger (1888-1968). Engenheiro-arquiteto, ele ousou trabalhar com uma novidade: o concreto armado. Para se ter uma ideia das dificuldades: o país não tinha fábrica de cimento, então o jeito foi importar da Suécia. Para confeitar o bolo de concreto armado, 60 artesãos foram trazidos da Itália e da Espanha.
Foram cinco anos de construção, repletos de imprevistos, minas d’água que jorravam do solo, atrasos na entrega de materiais, surpresas do ineditismo somados às características de uma São Paulo que cresceu de repente em cima das sacas do café. Como escreveu Roberto Pompeu de Toledo no livro A Capital da Vertigem: A São Paulo dessa época tinha um pé no futuro e outro no passado, a remoção da terra (do Martinelli) se fazia em carroças puxadas a burro, que a levavam em longas viagens até depósitos em Santana.
Teve também doses de egolatria do Martinelli. O projeto original previa 14 andares. Foi finalizado com 30. Esse subir cada vez mais acirrou uma polêmica que faria inveja às redes sociais dos nossos dias. Entusiastas saudavam a altura de mais de 105 metros como símbolo do progresso. Detratores temiam que o monstro de aço viesse ao chão. Para dirimir dúvidas – e provar que seu prédio não teria o destino do Titanic – Giuseppe e família se mudaram para o último andar do edifício.
O arranha-céu não caiu e foi inaugurado, em 1929, com pompa, champanhe e orquestra. Por azar esse foi o ano do crash da Bolsa de Nova York – o que refletiria na diminuição do bolso dos donos do café paulista, potenciais compradores de unidades no Edifício Martinelli. Por essa e por outras, o ícone da arquitetura paulistana alternou luzes e sombras na sua vida. Na década de 1960 chegou ao máximo da decadência.
Mas o Martinelli deu a volta por cima e se reinventou. Hoje recebe até visitantes para fazer um tour por seus andares e apreciar a bela vista do centro que o seu não menos belo terraço oferece. Não pode ir? Então leia o O prédio Martinelli – a ascensão do imigrante e a verticalização de São Paulo, de Maria Cecília Nalcério Homem.
Brinde: Visite o Martinelli
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