Desde que cheguei aqui, faz alguns dias, tenho a sensação de que mergulhei num saleiro gigante. Fiquei só com a cabeça pra fora, o que me permite respirar. O Atacama é o local mais seco do mundo, com rara chuva. Daí esse céu azul e essa sede inclementes. Também essa secura na boca que força a língua a lamber o grude do sal.
A experiência de se encher de sal foi particularmente intensa ao visitar a Laguna Cejar, onde é impossível afundar. A quantidade de sal na água faz com que você boie sem nenhum esforço. Ouço alguém dizer: É igual ao Mar Morto na Jordânia e em Israel. Foi nessa altura que percebi que a minha garrafa de água estava molhando toda a mochila.
Eu havia fechado mal a tampa. Puxa! Eu e Márcia passaríamos o resto da excursão da tarde sem beber água. Pois há uma etiqueta entre os turistas do Atacama. Cada um cuida da sua água, ninguém pede o líquido de sobrevivência para ninguém.
Mas pensei: Não vamos morrer por conta de algumas horinhas sem água. No entanto, o desconforto físico foi tremendo. A Márcia apontou para o meu rosto: Tem umas coisas brancas aí. Eu retruquei: No seu também. Conferimos: era o sal. Isso não nos impediu de ir espiar outra laguna coalha de flamingos. Lembrei dos versos do Arthur Rimbaud: Sentei a beleza no meu colo. E a achei amarga. E a xinguei.
Xinguei nada. Pois os flamingos, a visão da Cordilheira do Sal, as cores do quase entardecer, o silêncio, a vastidão incomensurável tornaram doce o Deserto do Atacama. Mais tarde no quarto do hotel Tambillo, me afoguei na Coca-Cola.
Tinha perdido essa parte!
Cida, mais-do-que-querida!