A aflição de decolar se transforma no regozijo de aterrissar. Espio pela janelinha procurando pela cidade de Calama. Mas só vejo um areal cinza. Parece infinito. Cadê a pista? Ah, aí está. Sei que é ela pois vejo marcas definindo onde pousar.
Agora no saguão do aeroporto de Calama, procuramos – eu e a Márcia – pelo transfer que nos levará a San Pedro de Atacama, porta de entrada do deserto. A moça vende os tíquetes e pede que esperemos no café em frente. Meu coração está disparado.
O motorista do transfer solta no gravador a Violeta Parra. Uma canção cheia de sentimentos, por suposto. Lembro que ela é a mulher que escreveu: Gracias a la vida que me ha dado tanto. E no fim se matou.
Lá fora observo postes compridos com hélices nas pontas alucinando-se com o vento. Me vem a imagem do Don Quijote. Que susto levaria ele com esses estranhos moinhos. Energia eólica deve ser sucesso por aqui com esse vento onipresente zumbindo as paisagens.
Mas, nos 90 km entre Calama e San Pedro, o que chama minha atenção é a sucessão de cruzes na beira da estrada. Já vi muitas delas nos caminhos do Brasil. A cruz sinalizando quem alguém correu, bateu, derrapou, capotou ou foi atropelado. Penso na família enlutada cravando na areia dura a cruz com flores artificiais (para que durem) em volta.
A diferença é que aqui, ao lado da cruz, há sempre uma bandeirinha do Chile. O vento as deixam desfraldadas. Por quê? Qual a razão de ressaltar a nacionalidade do morto? Afinal os mortos pertencem à eternidade.
Nela nada importam passaportes, aduanas, fronteiras. A eternidade, como escreveu a mesma Violeta, comporta: Playas y desiertos, montañas y llanos. A eternidade é tudo.
Ufa! ainda bem que estão chegando. Não poderia ter trilha sonora melhor do que Violeta Parra!
Perfeito.