9 Por dentro

Texto censurado pelo Facebook em 12 de setembro 2016 Flagro Cá Camila sustentando na altura dos olhos o globo- caleidoscópio onde as esquinas da Terra se…

Foto Fernanda Pompeu Foto Fernanda Pompeu

Texto censurado pelo Facebook em 12 de setembro 2016

Flagro Cá Camila sustentando na altura dos olhos o globo- caleidoscópio onde as esquinas da Terra se encontram. Surpreendo-a em intimidade plena. Seu indicador apontando o sul da Bahia, a unha encravando em Veridiana. Apreendo-a aqui e ao mesmo tempo além de todos os horizontes reais e fictícios.

Ela não consegue absolutamente me ver, nem supor que a observo, nem sequer me pressentir. Eu, ao contrário, não só posso vê-la como mostrá-la.

Camila tem:
nos olhos insígnias de dragão,
no queixo o exílio perene,
na boca largos sorrisos,
no nariz fome de açucenas,
na testa o signo do delírio,
nos dedos teclas de piano.

Nos braços e pernas, a sede do mundo. Seus seios são dois peixes, seu sexo desenhado a bico-de-pena. A cor da pele é a do pôr-do-sol. Seus cabelos exalam aroma de cedro. As linhas da mão formam um segredo. O corpo revela o poema que a alma escreve.

Minha ubiquidade é tamanha que poderia mostrá-la por dentro, entretanto prefiro que ela mesma o faça. No entanto, algo posso adiantar: esta mulher não se deixa pegar. Imita um sonho quando no preciso momento que pensamos tê-lo aprisionado, despertamos.

Está tão próxima de mim que ouço o pulsar das estrelas em suas veias, o relógio do coração, a performance dos neurônios. Esquadrinho-a: há um anjo apócrifo em sua cosmogonia.

fora: a tarde boceja, os cílios da noite pestanejam no galpão de artesanias. Pela janela, o desejo do mundo em ser visto arrebata Cá Camila.

Ela tem o apetite no forno da retina – voracidade de visões, vinte e quatro cinemas por segundo, carma onírico, ostra no líquido do olho. Sim, o talento em paralisar a realidade pelo olhar. Na sua gramática: viver é o verbo ver.

Porque sempre procura a luz, se pintasse seria uma impressionista tardia. Todas as manhãs desperta com o sol para assistir ao instante em que ele inventa tudo o que pensamos enxergar.

Ela confunde o mundo com o balcão de uma movimentada loja de máscaras, ela preferencial freguesa. Sua máscara-metáfora são poderosas raízes desentranhando-se do solo. Pretensiosa, pensa-se sozinha, único ser vivente no galpão de artesanias.

Mesmo que eu a tocasse não se daria por mim. Para esta mulher sou invisível. Paciência! Encaro sua vontade prestes a saltar o muro, a deixar o bosque que a viu nascer, a borrar os matizes que coloriram sua infância e primeira juventude. De costas frente perfil – algo em Cá Camila me fisga, conquistando-me.

Resolvo traduzi-la em suas futuras aventuras. Espreitá-la. Persegui-la no destino que o acaso soletrou no globo. É isto: serei seu duplo daqui até o lugar chamado Veridiana.

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