O trem fantasmagórico apita a chegada na estação Arte Final. Epílogo do jogo – a vontade humana arrebatou o cacife adversário: a fatalidade da matéria foi derrotada. Linda na fantasia de grumete, a boneca está terminada.
Mas a artesã não parece satisfeita, talvez não tenha logrado o salto que comunga emoção e precisão. Se distancia do objeto, vai ao fundo do galpão, esquadrinha a criatura. Sim, falta-lhe alguma coisa. Essencial.
A locomotiva da vontade ameaça retroceder à estação Abismo. Então Alegria cisma, se entrega à ideia do artefato, rememora as seções do fazer. Encontra o que a perturba: os olhos da criatura carecem de ênfase, não brilham. Estão mortos como hiroshimas.
É preciso trabalhar mais. A artesã retira da corbelha seu instrumento predileto – delgado e afiado – o buril. Se aproxima do artefato, age. Não contente de ter esculpido olhos, quer crivar um olhar.
Mas o buril está indócil, rebelado fere a mão esquerda de Alegria. Fissura profunda na pele artesã. O sangue dos dedos se derrama nos olhos da boneca, dando-lhe vida. Um sorriso nasce na comissura dos lábios, a boca se abre faminta, os braços se movem, o coração bate.
Alegria reconhece nos olhos do artefato seu próprio olhar. Epifania: a boneca transformada em criatura de carne e osso. Em uma pessoa.
– Está viva, exclama a artesã
– Se está viva é preciso dar um nome, pondera o artesão.
– Cá, escolhe Alegria
– Camila, sugere Organsim
Cá Camila, decidem em uníssono.