Trancoso iluminada

Congelar o peixe

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O que eu vou contar aconteceu faz cerca de 35 anos. Quando Trancoso, no sul da Bahia, era um endereço para mochileiros. Talvez à falta da internet, os jovens da minha geração amavam pôr o tênis na estrada e conferir conexões ao vivo e em cores.

Destinos prediletos eram os que se contrapunham aos grandes centros. Queríamos natureza, simplicidade, mistério. Nada de televisão, trânsito, consumo. Nossa onda incluía granola, queijo branco, pão integral, marijuana e livros.

Trancoso, então uma vila de pescadores, era perfeito! Nas primeiras vezes que lá acampei nem luz elétrica havia. Podíamos curtir as estrelas, a chama bruxuleante das velas, o voo rasteiro dos morcegos e uma fatia do Atlântico que parecia azular só para nós.

Nessa Trancoso, os cães andavam sem coleiras e se banhavam no mar. As pessoas dormiam com a porta aberta. Pouco dinheiro, poucos ladrões. Mas – repare que sempre há um mas – na quarta vez em que visitei a vila, levei um choque tremendo.

Pois cheguei no exato dia em que a luz elétrica – com pompa e discurso – seria inaugurada para alumbrar o progresso da vila. Lamentei: para onde fugiriam as estrelas, o luar, o silêncio? Para onde iria meu recanto querido, meu paraíso?

Perguntei a uma moradora com seus 8 anos: Você está tão feliz com essa coisa de luz elétrica? Ela respondeu bate-pronto: Vou poder assistir à televisão. Minha mãe vai fazer bolo com batedeira. Meu pai vai ter freezer para congelar o peixe.

Sem lero-lero. A menina queria ter tudo o que eu já tinha. Qual a razão da sua comunidade seguir às escuras? Para reservar um lugar à minha nostalgia de uma vida simples e natural.

O que ela me disse funcionou como lição. A de que todos temos direito às tecnologias. No fundo, sonhamos com as mesmas benesses. Desejamos facilidades e, principalmente, possibilidades.

A energia elétrica é uma big plataforma! Por conta dela temos quase tudo o que hoje precisamos, inclusive a internet. Depois da luz em Trancoso, pus a mochila nas costas e a viola no saco. Voltei para Sampa e nunca mais revi meu paraíso.


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Uma resposta para “Trancoso iluminada”

  1. Avatar Ricardo disse:

    canoa quebrada era assim!

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