O rio de cada um

Bailando em Bailique

Foto: Fernanda Pompeu Foto: Fernanda Pompeu

No final de 2005, vivi a sorte de conhecer Bailique – arquipélago a 185 km, por via fluvial, de Macapá. Mais precisamente visitei a Ilha do Brigue, onde está localizada a Vila Progresso.

O gracioso nome Bailique é referência à agitação das águas no delta do Amazonas, o que faz com que as ilhas bailem. Há uma segunda versão em que Bailique significaria doce bailado dos pássaros.

Pois foi na Vila Progresso que troquei uma prosinha com um senhor de oitenta anos. De entrada, ele me contou que foi um dos primeiros moradores do lugar. Quando tudo o que havia, além de meia dúzia de casinhas de palafitas, era a natureza em profusão infinita.

Depois de eu dizer que morava em Sampa, João – esse era seu nome – me perguntou se o rio ficava muito longe de São Paulo. Respondi que não: “Apenas 400 quilômetros. Ele arregalou os olhos em descrédito. Reforcei: “De avião, Rio-São Paulo é um pulinho.

Seu João esclareceu: Quero saber se este rio aqui fica longe de São Paulo. Compreendi então que falávamos de rios diferentes. Para mim, a palavra rio sempre me faz pensar no Rio de Janeiro – onde nasci e morei até os quinze anos. Já o rio daquele senhor era outro, o imenso Amazonas.

O fato é que nunca esqueci dessa prosinha de Bailique. Toda vez que penso em referências, penso no seu João. E me pergunto de qual rio estamos falando? Ou seja, referências só fazem sentido a partir de pontos de vista.

Saber que tudo depende do ponto onde a pessoa está e de onde vê o mundo, torna fascinante a arte da comunicação. Não estou só falando de comunicação de massa, eletrônica, publicitária, jornalística. Serve para a comunicação do dia a dia também.

O velho de Bailique deu a dica para esta carioca-paulistana que ganha a vida no serviço da escrita. Dica inequívoca de que quando ouvimos uma pergunta, antes de responder, precisamos perceber o universo de quem a faz.

Seu João não tinha como referência uma capital do sudeste. Vivendo em Vila Progresso, no Amapá, sua referência estava a quase três mil quilômetros da minha. Daí entendi porque, às vezes, a gente escreve tudo direitinho, sem nenhum errinho, mas não consegue comunicar.


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4 respostas para “O rio de cada um”

  1. […] Em resposta, o governo do Distrito Federal convocou a polícia para uma repressão brutal. Botou cavalaria e infantaria nas ruas. Decretou estado de sítio. No final, o saldo registrado foi de 30 mortos, 110 feridos e os principais líderes da revolta deportados para a Amazônia. […]

  2. […] tive a ventura de observar o bravo Urubamba no Vale Sagrado dos Incas. Aos 50 anos naveguei no rio Amazonas. Segundo minha amiga Alba Figueroa, O Imenso. Acrescento na lista o Danúbio – que separa […]

  3. […] É uma instância social ativa. Em outras palavras, muito além de estudar relevos e afluentes do rio Amazonas, a Geografia é uma ciência social capaz de dar respostas aos desafios do […]

  4. […] E quando penso que em míseros três anos terei 65, aí o espanto se expande. Fica da largura do rio Amazonas, o […]

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