Mais um cadáver esquisito heterodoxo. Marilda Carvalho começou o texto, eu continuei.
Assim vamos nós em releitura surrealista
Marilda Carvalho
Aeroportos me deixam nervosa. Na falta de um adjetivo melhor para esse estado de excitação onde a liberdade do voo próximo e o poder partir alegram e ativam a cabeça. Imagino que não é assim para os que têm que deixar um país em situações nefastas. Um dia deixaram a janela do passarinho aberta e ele fugiu. Situações criadas pela TV sempre aberta do aeroporto me enervam. A idiotice difundida pelo cenário da senhora enxuta de fala mole entre amarelos e azuis não me seduz, me irrita. É o cânone matutino de instrução em massa cheiroso e doce, doce, doce, docemente hostil. Tentaram dar uma ração com mel pro passarinho e ele recusou. Passarinho tinha vivido fora já e seus olhos ainda ardiam. Se esse cheiro e essas falas babacas de alinhamento na TV não me pegaram é porque eu estava escrevendo a estória do passarinho, livre que fugiu da gaiola. Passo os olhos nela e vejo mulheres, e véus voando livremente, que gentil é a sociedade brasileira, que adorável é a maquiagem iraniana. Não vou pôr a torta no forno. Olho pro céu azul claro. Que pena ir embora dessa beira de rio. Vento, vento, se eu me chamasse Maria da Luz seria uma solução? Estaria com os pés na terra e poderia ficar olhando o verde passar. Voa passarinho, voa.
Fernanda Pompeu
Estações ferroviárias me acalmam. Diria mais: me acalentam. Talvez porque remetam ao passado. Este tempo que é acolhimento da memória individual e coletiva. Mais coletiva ainda. Não vivi o auge das viagens de trem. Ao contrário. Nasci no mesmo ano que Juscelino Kubitschek se tornou presidente. A partir dele o Brasil se encheu de fuscas, se entupiu de rodovias. E os trens de passageiros foram declinando num sem fim. Mas quando estou em uma estação, por exemplo, de linha metropolitana, fico imaginando a vida como era. Vejo malas, adeuses, até breve e reencontros. É o prazer que o passado nos traz. Junto vem um adoçamento que fugiu. É claro que não é verdade, todo passado foi um presente cheio flores, amores, grandes feitos. Também de conflitos, sangue, algozes e vítimas. Mas nossa tendência é transformá-lo em um filme bom. Ah, naquela época as pessoas eram mais humanas. Ah, naquela época cada coisa estava em seu lugar. É balela, porém deixamos para lá. Comparado com aviões os trens são mais domésticos. Viajam nos trilhos, grudados na terra. E mesmo que haja curvas parecem seguir em linha reta. Tão diferentes da vida. Eles vão de estação em estação. Como descreveu o poeta: Café com pão, café com pão. Sim, os trens trotam. Meu coração também.
Brinde
Adorei os dois textos. Ficaram muito bem juntos. Vcs combinaram antes? Tipo tais palavras entrarão, mesmo em oposição como calma e nervosa?
A gente não combina. Marilda mandou a primeira parte do texto e eu continuei. No próximo, eu começo e ela termina. É interessante fazer. Beijo, querida Cida. E obrigada por me ler aí em Berlin.
Agarro meu coração no trilho, e vou. Obrigada Fernanda.
Grande Marilda, somos nós!
Leitura muito prazerosa. Textos deliciosos assim,meacalmam e acalentam.
Puxa, Tereza. Super obrigada! Beijo.
[…] dos Modernistas e dos Surrealistas. Leon Trotski, Vladimir Maiakovski, Oswald de Andrade, André Breton eram nossos […]