Sampa tem mais de 65 mil ruas. Não incluindo as clandestinas, indocumentadas que brotam na cidade como marias-sem-vergonha. Ruas correspondem a frases no parágrafo-cidade. Elas vão e vêm transportando as histórias dos que moram, trabalham ou se divertem nos seus endereços. Ruas também são os carimbos da diversidade urbana.
Há ruas arborizadas e ruas que poderiam estar no deserto do Saara. Ruas planejadas e ruas tortas. Estreitinhas, largas, compridas, curtas. Ruas que são becos, ruas sem saída, ruas perigosas. Ruas que, de repente, mudam de nome. A avenida Sumaré, sem aviso, vira Paulo VI. Sem contar as que mudam de cara e classe social. A avenida Angélica, por exemplo, começa pobre e vai enricando.
O poeta Mario de Andrade, paulistano da gema, pediu, no poema Quando eu Morrer: Meus pés enterrem na rua Aurora / No Paissandu deixem meu sexo / Na Lopes Chaves a cabeça. Não à toa, a canção que traduziu a cidade de Sampa para o Brasil, composta por um baiano, começa com os versos: Alguma coisa acontece no meu coração / que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João.
Ruas mantêm uma misteriosa relação com seus nomes. Eu nasci na rua Bambina, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Sou tão antiga, que o Rio ainda era Capital Federal. Sempre acreditei haver alguma intencionalidade mágica no fato de eu ter nascido menina e a rua se chamar bambina. Verdade que tenho um amigo ateu irreversível que nasceu na rua do Bom Jesus. Por muito tempo conhecida como Rua dos Judeus – pois nela foi erguida a primeira Sinagoga das Américas.
Acho errado essa prática de vereadores, para agradar seu eleitorado ou obsequiar famílias ilustres, mudarem o nome de ruas. A deliciosa Estrada das Boiadas, na zona oeste de Sampa, virou a insípida Diógenes Ribeiro de Lima. A charmosa Rodovia dos Trabalhadores, que homenageava um imenso coletivo, é hoje Ayrton Senna.
Nada contra o Diógenes que nem sei quem foi, ou o Senna de quem fui fã. É que mudar nome de caminhos é tão esquisito como trocar nome de pessoas. Imagine uma Marlene virar Patrícia depois dos cinquenta. Ou ser um Gabriel até os vinte, e tornar-se um Eduardo até morrer. Não conjumina. É claro que, às vezes, é o contrário. A rua tem um nome que não casa com seu espírito. A rua do Bosque, na Barra Funda, tem árvores contadas nos dedos.
Na favela do Madalena, em Sapopemba, na gloriosa zona leste, havia uma rua que desaguava em um córrego a vau. Lá, nos anos 1990, traficantes e policiais corruptos desovavam corpos para encobrir seus crimes. A comunidade se organizou, ergueu um centro de convivência, e a rua passou de maldita a bendita. Os moradores puseram o nome de rua Nova.
Outra curiosidade – creio que uma experiência bem comum – são as ruas de iniciação. Aquelas onde um grupo de amigos vivenciou primeiros amores, primeiras traições, bebedeiras, canções, identidades. No meu caso, essa rua foi a Cardoso de Almeida, em Perdizes. Até hoje, trinta anos depois, as amigas lembram da época da Cardoso, das festas da Cardoso, da turma da Cardoso. É uma metáfora, na qual Cardoso de Almeida toma o lugar de juventude.
Brinde Esboço – Luiz Tati
Me aborreceu bastante quando trocaram o nome da rua dos Tupinambá, no Paraíso, para o nome de um médico.Um nome tão importante para a história brasileira…
Oh, Vera. Fiquei triste (também) com a troca do aeroporto do Geleão para Tom Jobim. Adoro o Tom, mas Galeão tinha história! Obrigada pela leitura!
Triste é que a rua mais antiga do Brasil, a da Amargura, não muda de nome e só faz crescer…
Claudio, que bom você por aqui! Rua da Amargura no país da Alegria. Que ironia!
Muito bom este texto.Não é uma boa idéia mudar o nome das ruas. Os nomes são as identidades destas ruas e fazem parte da história dos bairros e das cidades. A rua Nova York no Sumaré mudou para a Rua Haway, pois há outra Rua Nova York no bairro do Brooklin.
Valquiria, obrigada pela leitura. E tem mais: os nomes das ruas passam a fazer parte da identidade emocional das pessoas. Quando os nomes mudam é como se nos roubassem um pouquinho. Beijo!
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