A partir de matéria da Folha de S. Paulo , 4/6/2017
É claro que a gente esquece. Notícia ruim viceja como margaridinhas silvestres. Todo dia. A notícia ruim de hoje apaga a notícia ruim de ontem e assim sucessivamente. Sete adolescentes assassinados em Lagoa Seca, região metropolitana de Campina Grande – Paraíba, não resistem a novos atentados em Londres, a mortes a quilo na Síria, Egito, Afeganistão. Sulcos de sangue na Terra.
Mas o que me impressionou na matéria Rebelião na Paraíba deixa sete adolescentes mortos da Folha de S. Paulo foi a foto da Lauriceia Barros. Nela, estão as famílias em busca de informações. Eufemismo jornalístico. No fundo, os parentes estão aguardando os corpos. Simples assim. A foto foi publicada em tamanho pequeno, no canto direito da página.
Ela lembra milhares de outras fotos, mundo afora, nas quais a parentada chora suas perdas, suas notícias ruins. Mesmo quando são perdas como a desses adolescentes para quem parte da sociedade vira o rosto. A matéria explica: eles eram infratores, foram mortos numa briga entre grupos rivais. Um motim dentro do superlotado Lar do Garoto Padre Otávio Santos. Não eram flores que a gente cheira. Mas impressiona terem eles de 15 a 17 anos de idade. Vidas abreviadas.
Sempre me recordo quando fazia a viagem São Paulo – Itanháem. Fiz o trajeto muitas vezes, pois pais meus moraram 30 anos nessa cidade do litoral sul de São Paulo. Recordo que na altura da Praia Grande, aos domingos, o motorista parava em um ponto da estrada e dizia: Presídio! Daí eu via descer duas ou três mulheres segurando trouxinhas. Pensava: são as mães dos presos.
Então eu refletia que as mães sempre amam seus filhos. Assassinos, estupradores, ladrões, traficantes, laranjas. Pouco importa, lá iam elas levando bolos de milho ou de fubá. Iam espiar seus rebentos e abraçá-los com força. Na certa perguntariam: Você está bem? Esperando sofregamente a resposta positiva. Antes do encontro, elas foram tocadas por mãos carcereiras, algumas ficaram nuas. Humilhação com dia e hora agendados. Amar é puro trabalho.
Agora voltando à foto da Lauriceia Barros. No canto esquerdo, sentadinha, há uma mulher que me impressionou a alma. Ela está com a cabeça abaixada. Talvez por já saber que o filho está morto. Que a partir desse dia, tudo para ela será nunca mais, nunca mais. Não vou cair na tentação de generalizar. Não vou perguntar pelo pai. Nem dizer que provavelmente ele seja ausente, tenha dado no pé. Tenha descriado sua criança.
Talvez não seja essa a história. Nem sempre o clichê se aplica. Mas a mãe está aí desacompanhada e dolorosa. Nem com a Pietá – do Michelangelo – ela pode se consolar. Aquela segura o filho morto nos braços, filho amado por ela e por muitos. Já a mulher da foto não segura ninguém nos braços. Ela é a solidão em carne e osso. Sinto vontade de abraçá-la e dizer sinto muito pela sua dor! Mas isso jamais acontecerá.
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Nesse clichê, Fernanda, a única a chorar e se lamentaré a mãe. Principalmente nessa hora está sozinha. Poucos homens comparecem. Lembro-me que quando tive meu primeiro filho saía de São Paulo e ia a Santo André visitar meus pais, especialmente aos domingos. O que eu via no trajeto era inúmeras mães com bebês ou puxando criança pelas mãos, andando ou em pontos de ônibus. E eu pensava: onde estão os pais. Penso que nessa época comecei a despertar.
Marisa Paifer, o mais triste é que essa ausência paterna continua e continua. Onde estão os pais? Beijo e obrigada por ser a leitora-escritora incrível que você é.
Desalentador.
Beijo, Cristina.
Amar é puro trabalho e nesse caso muito mais ainda! Mas essas mulheres, mães de presidiários e também presidiárias, que elas visitam bem menos que seus filhos homens, que morrem muito mais em presídios brasileiros, cresceram trabalhando e o trabalho para elas é sua maneira de sobreviverem, e o amor?
É fato, Angeliquita. Fato triste. Beijo.