Passeata dos Cem Mil

Um dia no Brasil

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Tinha eu doze anos, quando meu pai perguntou se eu queria participar da grande passeata, mais tarde batizada como a Passeata dos Cem Mil, que prometia sacudir a cidade do Rio de Janeiro e reverberar nos quartéis.

Papai era então um comunista de carteirinha, desses que arriscavam o pescoço militando nas células do clandestino PCB – Partido Comunista Brasileiro, de quem ele se enamorou ao ouvir, aos 15 anos, um mega comício de Luís Carlos Prestes (1898-1990). 

Eu, uma adolescente embriagada por todos os sonhos do varejo e do atacado. A derrubada da ditadura, à luz da minha inocência, estava na virada da esquina, ao alcance do desejo.

O ano era 1968 – havia começado com o assassinato do estudante Edson Luís, 18 anos, no restaurante estudantil Calabouço. O rapaz morreu com um tiro na boca. Em poucas horas foi transformado em mártir. Ícone contra os militares.

A gente ainda não sabia , mas 1968 terminaria pior ainda. Em dezembro seria decretado o Ato Institucional 5 – o AI-5, varrendo de uma vez o resto de liberdade e direitos políticos que havia. Um pesadelo de Natal para os brasileiros

Mas antes, no 26 de junho, fomos na Passeata dos Cem Mil. Papai e eu caminhávamos de mãos dadas. Formávamos um par interessante. Ele bem mais velho do que os universitários, eu bem mais nova.

Íamos compenetrados no meio da multidão e engrossávamos o repertório das palavras de ordem. O coro de vozes, para ganhar adeptos, gritava:

Você que é explorado, não fique aí parado

Clarice Lispector na passeata dos Cem Mil

Clarice Lispector, segunda à esquerda. Fonte Google

Das janelas dos prédios, choviam papel picado e aplausos. Um raro momento de comunhão da sociedade civil democrática.

Passado quase meio século da histórica Passeata dos Cem Mil, o que ficou? Deixo as respostas para cada leitor. Para mim, restou a oportunidade de contar isso.

Brinde YouTube Passeata dos Cem Mil

Leia a resenha Brasil 40 Graus


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Uma resposta para “Passeata dos Cem Mil”

  1. […] primeira vez que ouvi falar do David Capistrano da Costa foi por intermédio do meu pai, um comunista de carteirinha. Então os dois eram do Partidão. Papai na base, David na diretoria. Anos depois meu pai, já no […]

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