Ao responder à clássica e retórica pergunta O que você quer ser quando crescer? , os adultos – particularmente os homens – exclamavam Mas isso não vai dar! O engraçado é que eu intuía que não daria mesmo. Mas gostava de sonhar com a mesma intensidade com que comia doce de leite ou xícaras de gemada. Assim eu sonhava de manhã, de tarde e de noite. Me imaginava dentro do uniforme, com a cabeça sob o quepe e com botas pretas e incrivelmente engraxadas. Como morava perto do mar, o via com frequência e achava mesmo que ele também me via. E me ouvia. Então tínhamos conversas. Dizia que ele esperasse – só um pouquinho. Porque eu teria que terminar o primário, fazer o ginásio e mais tarde um curso preparatório para o nosso encontro de toda vida. Ele parecia concordar balançando suas ondas. Daí eu acordava e fazia flexões, aprumava o corpo. E admirava qualquer figura que mostrasse barcos, caravelas, submarinos, canoas, cargueiros, galeões, transatlânticos, petroleiros, lanchas. Também apreciava golfinhos, tubarões, bagres, albatrozes, gaivotas, arraias, estrelas-do-mar. Quando ia à praia, ao primeiro pezinho n’água abria o nariz à maresia. Aquele sal era o toque do mar em mim. Acreditava para valer que eu havia nascido para ele, o perfeito. Ele que tinha azul, volume, vida, mistério e movimento. Tanto que eu não dava bola para os lagos – parados demais. Ou para os rios – estreitos demais. Amava era mesmo o mar que não tinha margens e muito menos sossego. Mas era um amor solitário – nem ousava contar para minhas amiguinhas. Era um amor clandestino – nunca contei para minha mãe, para quem que nessa época eu contava tudo. Uma vez revelei o sonho para o meu pai. Ele me devolveu um sorriso sem coragem. Então de alguma maneira eu sabia que não iria rolar. Que era mesmo uma coisa de criança, uma bobagem de menina. Eu era uma bobagem de menina? Desconfiava. Passam-se dois, três anos e mudei a narrativa. Desisti de quando crescer ser marinheira. Comecei a dar aulas para as plantas enfileiradas no jardim da minha mãe. Daí quando os adultos faziam a clássica e retórica pergunta O que você quer ser quando crescer? Eu respondia: professora! Todos, principalmente os homens, se mostravam satisfeitos.
Brinde: Hino dos verdes mares
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Boa, Fe!!
É nóis, Cida Santos querida.
O que você quer ser quando crescer? Eu respondia:
Artista !
-Ora,pois pois.estáis louca menina?
Sem incentivo sem mecenas , tornei-me professora de Artes ensinando a construir e concretiza sonhos nas dobraduras dos barquinho de papel com jornal lido.
às vezes ele muda de posição e vira boné de marinheiro; quando me canso desmonto e leio as notícias lidas de quem não quis aquele jornal.
Como é bom viajar!
Urivani, adoro esse tipo comentário. Ele em si é uma crônica. Valeu, querida.
Que sorte a nossa, tê-la em terras firmes convidando outros (as) a seguir sonhando.
Mas sonhar dá um trabalho, né? E a Europa, Bel, linda?
Muito bom! Seu sonho era dez! E eu que nunca sonhei em ser professora acabei me tornando uma. Não deixa de ser meio doido, mas no final é muito bom. Obrigada pela boa leitura de final de sábado!
Cristina, eu que agradeço você ter me lido na tardinha de um sábado. Beijo.