A primeira vez que li um poema do Felipe Blanco foi na Casa de Tijolo, ateliê da Biba Rigo. Comecei a ler sem esperar nada – que é a melhor maneira de começar uma leitura – e exclamei Mas isso é bom! Na hora mesma falei para a Biba: quero pôr o Felipe na coluna Convidados. Ela avisou ao Felipe que enviou por email o poema com ilustração do Marcos Machado. Nunca vi o Felipe, mas isso não tem importância. Curta abaixo:
FELIPE BLANCO
todo dia é dia d
o dia é tédio e eu procuro meios e modos e maneiras de fugir dele,
de voltar-me para mim mesmo e examinar-me sem o tédio dos dias:
tarefa árdua, não remunerada,
de retirar as cracas dos furtivos beijos da glória
& ir ter comigo mesmo no balanço geral do amor próprio.
escurece, abaixo as portas de aço, bato ponto nesse poema
e vou chutando uma pedrinha no caminho,
um tanto quanto cabisbaixo, um tanto quanto peralta,
lembrando de Sísifo, lembrando de Drummond, lembrando de esquecer:
as mãos penduradas nas alças da mochila dão o suporte necessário
para prosseguir
y cuando cierro los ojos
o barulho dos carros no asfalto parecem vagalhões de onda,
não sei porque, mas parecem: há mar no asfalto.
assim eu volto para casa, tiro o sapato, as meias, encaro os dedos do pé,
e, enquanto acendo um cigarro,
arranco a blusa, a calça, a cueca, a pele, as máscaras, a carne
e quando sou só osso,
descanso,
desmonto,
desmancho
& assisto minha sanidade em pleno abandono,
saindo furtiva de mim pelas ruas da cidade
a rodar sua bolsinha na esquina do óbvio.
Gostei
Encarnação, tem um livro dele vindo aí. Beijo.
Gostei muito das impressões dele acerca da vida, do tédio, dos vazios. Uma sensibilidade e estilo muito gostosos de ler e reler.
Felipe Blanco, Marisa Paifer pra você.