Escrevi este texto em 1981. Durante a minha primeira viagem para fora do Brasil. Abençoadamente foi para a Colômbia – uma paixão à primeira vista. Nessa época eu acreditava que o leitor deveria ser coautor do texto. Alguém que trabalhasse a leitura. Hoje já não penso bem assim. Fosse hoje teria pontuado o texto. Mas para quem se aventurar ao trabalho, a leitura do Colômbia sem Vírgulas pode ser prazerosa.
Há balanço por tudo em cada diminuto ângulo da embarcação um Pacífico de negros cocaína gaivotas o incesto é aqui também na minha pele na pele do negro presenciando as gaivotas os pares o trio a turma em híbrida monótona harmonia librianas perfeitas vênus faz o amor no céu
O sol se multiplica em miniaturas sutis no porto hotel dos navios levam aguardente marijuana músicos para Los Angeles como se cada gesto habitasse a casa das traições amorosas intrínsecas aos corações brincadeira de comover sempre.
Se o Pacífico é o lago transmutado em mescalina vejo o tempo sinto o vento vou proferir um berro de prazer mais longe não o susto a naturalidade de estar sobre o mar nas ondas para lá para cá suave resoluto voo ao lugar sinais de tenaz intensidade são as bruxas a invadir-me ela um perro amarillo sobe o pescoço na água belezas no corpo sal.
No momento o avião e o presidente panamenho explodem no ar a tarde é muito azul brilhos vampiros riscam o azul em cima em baixo o reino abissal mire o porto de Buenaventura o mundo é aqui e mais a noroeste e muito se a barbárie vier me pegar terei no rosto o vale dentro do mar.
Da folha de bananeira sai um pica-pau numa farta banheira de passas ela mergulha a mão no oceano o mais íntimo se traduz o escândalo o escândalo é o mais íntimo mas se você é o perro você está nu em jardins de frenéticas oscilações entre uma embarcação real e vinte e quatro horas por segundo pedaços e a parte inteira da luz cítaras agudas.
Aqui os índios navegaram meus sentidos vivem os seus a egípcia Alexandria nasce no nariz da baleia indígena o sol surge a leste na proa asa esquerda da gaivota faz sinais de paz nos galhos por todo terceiro mundo a internacionalidade do navio os marinheiros perdem o caminho das estrelas que se apaixonam por quem me apaixono casa universo nada de novo a casa onde mulheres fazem suspiros para festa de São Cosme e São Damião.
A África é aqui também simplesmente ela abre os olhos enxerga o que quiser sob o céu de Bogotá hermético ela suspeita água no rosto de Copacabana ela arruma os cabelos o Pacífico é o Atlântico mãe na avenida do cine Roxy um menino dança salsa colombiana ao lado uma avestruz brilhante.
Baby baby baby cada tasco de coca denuncia oculta perplexa a ostra olhar no lugar de lutar nos ojos flechas circulando vertigens da memória outra vez êxtase e frio frio e êxtase frio êxtase sob o céu de Bogotá vira a esquina em direção à avenida Caracas repleta de índios integralmente felizes doidamente seguros amor e deserto sky
Você lembra minha filha minha mãe eu em sensações o mar os camelos sempre aqui viajante ela os vê os sente no espelho retrovisor o soldado com purpurina nos lábios sonha futuro o som irmanado no silêncio vácuos beijos o Tejo no Tietê na praia o sax da pescadora perdida nas montanhas a gata espia o movimento da embarcação pirata.
No azul cór de coração na idade da brisa deixe-me que lhe conte enquanto não é noite nem dia psiuuu o sol dorme dentro da lua origem plena no umbigo Amazônia as luzes de Cali sobre a Guanabara iluminando generosamente un rato de aguardiente no pano colorado absorta ausência de desejos azaleias artemísia brancas arrebatadoramente salinas mágicas.
Fantasias curvas no pique o petroleiro carregado com meias de seda faz volta à baía na cozinha do navio uma mulher escreve as nove estrelas da sorte em si mesma as cores da bruxaria amarela branca lilás negra roda vermelha abóbora na noite os niños nunca dormem sem afagos as ondas induzem à liberdade das tortugas as árvores estão depois das nuvens do marareia interregnos areiamar
Na ilha o destino humano anfitrião convidado de estar não estar contemporânea dos que vivem a comer misérias a colecionar adegas coisas estúpidas coisas maravilhosas nascimento morte nascimento círculos quadrados guardanapos na mesa pousa a mão dentro do cosmo ela fuma marijuana com seus mais carinhosos amigos mastiga arepas um pai dobra a esquina de mãos dadas com a filha ela pergunta e daí?
Respondo é você quem sabe no pórtico central da alma norte oeste sudeste unos os pássaros contam histórias de terror uns aos outros no espelho o chapéu de feltro sorri para a fotografia crise crise crise.
Coração no tempo primitivo primitivo tempo no coração tempo no coração primitivo tempo no primitivo coração rojo neva no espaço remexe-se a constelação celeste todo cacife à aventura as chances estão inúmeras ao frio ao calor de si mesma a imagem das bruxas compõem a matéria pura de ser nada estar vivo oblíquo.
O mercador de laranjas observa o abraço de cinco mulheres pés nus na grama encharcada as cabeças sob o firmamento se abrem experimentam a terra frágil e rocha ela entra na casa e faz da parafina da vela um pato ato branco rapidamente lux se achegam os sonhos no criado mudo cabe uma família a energia se atiça avisa jogos escandalosamente humanos abacaxi trincado nos dentes rebeldia invade chama Sé.
Maldito oceano saca a gata no quarto percebe o pássaro de madeira quer engolir meu coração tungstênio W o espaço congela a solidão do perro tomando sakê a lua reouve Bob Dylan criar construir barcos à vela encontrar os amigos alquimistas idênticas águas o rio transforma os banhistas em Amparo que lavou camisas sais blusas máscaras meteu-se na água cara enorme intimidade pelas dezenove horas todas as portas abertas.
Colômbia curva nas pestanas alto avião branco vermelho arrepio são cinco horas na Catedral da Candelária são cinco horas na Catedral da Sé são quatro horas na Catedral de Cali e talvez por isso as pessoas caminhem tão melancolicamente na expressão da garota a rua Velha número 16 Ilha do Governador está estampado o perplexo.
Lejos da natureza para que direção seguiram os arqueiros? Encravada nos Andes se avistam as cidades luminosas horrorosas luminosas a vaca me dá paz sem discurso não há artifícios ela escreve antes de deixar o país seu coração pode ser cortado em fatias como bacon ruas que parecem fotografias os búfalos são quase memória aqui conflito ali lá som selvagem quadrifônico o que eu estava fazendo na Idade Média esposa de um padre esposa de um pintor esposa de um herege.
Puta quem bruxa nenúfar anda não exatamente com os pés no solo “la vida es sueno” a ventura apátrida amorosa lar mar mar lar é a ti que sempre saio com lágrimas a tamanha formosura com a segurança de quem abre uma térmica de café sabor de sal a mulher dança dança dança no corredor da casa por toda manhã em agosto fazer fantoches inconquistável segredo dela.
Volto os quinze degraus um filho belo feio forte fraco a vida dele a extensão da terra do ar sucede sonho não ser os ímpetos ser imagino debaixo do sol proezas de chuvas densas fugidias lá vem a bruxa sobre o marrano vestida de azul o futuro trama nos astros o destino um por um posto deposto posto curiosa vontade por não morrer duplico la calle hasta o infinito no infinito retorno às calles com os pelos revoltos olhos laminados boca coração fígado realizam a fantoche rumbera sabe a vida é festa razão traição do amor pichado na rua Cardoso de Almeida São Paulo entro num pedaço perigoso doce.
Colômbia sem vírgulas parece um sonho sendo contado.
Valeu, Cida Santos!
Assim sem vírgula,eu mergulho fundo até o final.Delícia de leitura.
Que bom, Lucio. Fico para lá de feliz! Beijo.
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