Todo mundo tem sua porção ingênua, acredito eu. Todo mundo passa bom pedaço da vida repetindo algumas verdades que depois se mostram grandes mentiras. Alguns chamam esse fenômeno de imaturidade, inexperiência, miopia. Tanto faz, pois de nada adianta acusar de ignorante quem ignora.
No começo dos anos 1990, hospedei em casa, na rua Albuquerque Lins, Higienópolis, duas jovens negras. Elas eram americanas e feministas. Também eram bem sabidas em direitos civis, cotas, discriminações positivas. Aguerridas, defendiam suas ideias em espanhol. Ao que eu tentava dialogar em portunhol.
Já no primeiro dia em casa, elas afirmaram: “O Brasil é tão racista quanto os Estados Unidos”. Fiquei ofendida! Tentei demonstrar que o racismo americano era rancoroso, belicoso, aviltante. Em contrapartida o nosso seria mais suave, dialógico, cordial.
Elas tentaram e tentaram me convencer do contrário. Se empenharam em me mostrar que os adjetivos pouco interessavam: “Racismo é racismo e ponto”. Como último recurso para meus argumentos, citei a admiração nacional por Pelé, Cartola, Nossa Senhora Aparecida.
As duas deram aquele sorrisinho que a gente costuma dar para os ingênuos que têm um longo caminho a percorrer até a maturidade e lucidez. Depois partiram. Nunca mais soube de nenhuma delas, mas não as esqueci.
Se as encontrassem hoje, a conversa seria diferente. Eu começaria dizendo que elas tinham razão ao afirmar que o racismo – como todas as outras discriminações – não tem adjetivos. É racismo e ponto.