Em 11 de junho de 2006, os restos mortais de Iara Iavelberg foram retirados do setor dos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo. Vitória da família e dos amigos que nunca acreditaram na versão – dada pelos órgãos de segurança – de que Iara teria se matado ao perceber o cerco policial no apartamento onde morava, no bairro de Pituba, Salvador. Sua morte ocorreu em 20 de agosto de 1971.
Além do oficial, há outros relatos – inclusive de um sargento envolvido diretamente na operação – que indicam que Iara Iavelberg foi na verdade baleada sem nenhuma chance de defesa. Considerando o modus operandi da repressão da época, provavelmente a moça, então com 28 anos, foi mesmo assassinada. Quero dizer, os caras entraram fuzilando. Matar e depois perguntar.
A biografia política de Iara é bastante conhecida. Ela foi militante da Política Operária (Polop), da Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares), da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e, finalmente, integrou o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Também viveu um romance com Carlos Lamarca, assassinado três meses depois do cerco ao apartamento em Pituba.
Todas essas informações podem ser consultadas no vigoroso Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985). O livro foi organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e pelo Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado.
Mas, pela natureza do trabalho do Dossiê, os perfis são um tanto secos. Por conta disso, fiquei surpresa e feliz ao ler a entrevista da professora e pesquisadora Ecléa Bosi – dada a Mariluce Moura, revista Pesquisa Fapesp de abril de 2014. Ecléa é autora de vários importantes livros, entre eles, o delicioso Memória e Sociedade – Lembranças de velhos.
Pois na entrevista, parágrafos tantos, ela rememora a presença de Iara Iavelberg na Faculdade de Psicologia da USP: Fui colega de classe da Iara, o que me marcou muito. Lembro-me da colega como uma moça muito bonita, muito inteligente e que cantava muito bem. Gostava de Ponteio, de Edu Lobo, também de Disparada, de Vandré. Era muito boa em estatística (…) e íamos à casa dela estudar. A Iara histórica todos lembram, mas foi a perda da colega que acompanhei e vi o quanto nossa turma sofreu com isso.
Ao ler essa passagem, minha cabeça fez plim! Pensei que talvez seja isso que falte – os detalhes, as preferências musicais, a maneira de sorrir – aos biografados mortos e desaparecidos sob a ditadura militar. Saber das pequenas coisas revela a humanidade dos personagens. Trazem eles para mais perto de nós.
A ditadura não matou só ideias, matou principalmente pessoas. Então a jovem morta em Pituba gostava da canção Ponteio, letra de José Carlos Capinan, e vencedora do mítico Festival de Música da Record em 1967.
Parado no meio do mundo / Senti chegar meu momento / Olhei pro mundo e nem via / Nem sombra, nem sol / Nem vento. Quem me dera agora / Eu tivesse a viola / Prá cantar. Jogaram a viola no mundo / Mas fui lá no fundo buscar / Se eu tomo a viola / Ponteio / Meu canto não posso parar /. Talvez, nesta manhã invernosa, Iara Iavelberg esteja cantando esses versos em alguma nuvem.
muito legal resgatar essas historias assim
Não é mesmo, Angélica? História que valem a pena.
Beijo!