Conheço a Inês Monguilhott do Face. Volta e meia dou de cara com suas postagens. Na verdade, seus posts são textos. Eles entram sem ilustrações e sem títulos. Assim no seco. Ela parece escrever com luvas de boxe. O que me chama a atenção é a sinceridade dos assuntos. Inês fica nua ao contar seus sentimentos. Ah, é preciso muita coragem. Mas é claro que não bastam sinceridade e coragem para prender leitores ao texto. Inês Monguilhott escreve bem pra caramba!
O texto de Inês Monguilhott
Um provadíssimo amigo meu, de décadas, a quem eu devo inúmeros favores, me mandou um convite de sua festa de 50 anos. Antes de ser meu amigo era e é amigo desde o colégio do meu ex-marido. Devemos os dois a ele um empréstimo para comprar uma casa que saldamos muito tempo além do presumível, devo a ele uma solidariedade rara: quando meu ex-marido quis se separar, ele me ofereceu justiça, nada a mais, nada além, mas o suficiente e mais do que muitos que apenas desapareceram ou me ignoraram de repente sem que eu fizesse uma única comunicação, queixa ou solicitação, simplesmente fui defenestrada como um cão sarnento. Lembro bem. Vai ser um festão. Esse meu amigo é de longe o mais bem sucedido amigo e essa é uma data especial para qualquer um. Pois bem, ele mandou convites para minha família inteira. Um convite para meu filho e sua namorada que ele não conhece. Outro convite para minha filha e seu novo marido que ele também não conhece e um terceiro convite para mim e uma amiga que mora conosco. Não passou um minuto sequer pela cabeça dele que eu poderia ter alguém e quisesse ir com esse alguém. E é verdade, não tenho. Nem tenho motivos para me aborrecer com o convite posto dessa forma, já recebi um ou dois semelhantes, mas não sei se estou mais frágil, se a proximidade do meu aniversário ajudou… o fato é que isso me envergonhou profundamente. É injusto para com ele ou só percebo agora o quanto isso me é incômodo. Outros convites distribuídos da mesma forma não me magoaram, esse me afetou. Ele está certo pelo senso comum e tanto está que acertou. Uma mulher só, na minha idade, a chance de ser atropelada ou de descobrir um câncer é bem maior que a de ter um parceiro presumível. Eu não tenho. Tenho uma série de candidatos, na falta de outro nome, que se forem da minha idade chegam cagando exigências, regras e ordens e se escandalizam com um não. Nunca nenhuma cumplicidade, nenhum companheirismo. Se são mais jovens e se algo lhes é ofertado gratuitamente, roubam migalhas da mesa posta, posta pra eles, a melhor toalha, salada, prato principal e sobremesa. Roubam, feito passarinhos de todo banquete oferecido, uma migalha de pão. Porque mulher velha tem quem coma, tem quem goste e até tem quem prefira, mas é um vexame ser visto chegando junto. Eu, que a cada ano, estou menos atraente e menos paciente, perco a pouca beleza que resta na mesma proporção que fico cada vez mais, mais lúcida e paradoxalmente mais exigente. Prefiro a casualidade de um michê a esse leque de oportunidades espúrias onde já se entra com jogo definido: agradeço. Voltando à festa do meu amigo. Sei que nunca passou pela cabeça dele aborrecer-me e isso é o que mais me magoa, supor-me carta fora do baralho e de improvável interesse para alguém. Para que então supor essa improvável companhia? Agradeço, mas não vou. Não vou nesse papel. Gosto dele, da família dele, mas não quero o papel que me reservaram. Quero que ele tenha um feliz aniversário e tudo de bom. Eu vou ficar na minha vidinha onde ainda cabe alguma possibilidade senão de relacionamento, de sexo. Incrível como o tempo inteiro estão empurrando as mulheres velhas para uma pré-morte muito digna e apreciável, limpinha até, cheirando a lavanda. Não quero ser uma matrona séria venerável e quase virgem. Não às minhas custas. Não quero ser enterrada antes do tempo. Não sem gritar, não sem dizer que não gosto, que me ofendo, que me magoa, que me humilha, não serei um bom cabrito, prefiro ser uma porca e morrer guinchando, mas não morrer adiantado. Prefiro dar trabalho. Eu não vou.
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Inês, realmente suas luvas são de boxe: macias e certeiras, bravo. O engradadinho não é mesmo um bom lugar. Aguardo seu novo texto. Abraço
Marilda querida, tomara que a Inês leia o seu comentário. Beijo.
Muito bom! Acertou no estômago.
Acertou! Beijo, Eliana.
Gostei muito do texto da Inês, ela retrata muito bem esse papel que é imposto pela sociedade para as mulheres mais velhas, aliás a sociedade tem essa mania de querer decidir o que se deve ou não fazer, o que se pode ou não fazer, sem contar que o amor e o sexo parecem apenas destinados aos mais jovens, o que é ridículo. O ideal é que o amor e o sexo façam parte do nosso cotidiano por toda a nossa vida. Parabéns a ela pelo texto, por dar voz a tantas mulheres que se sentem da mesma forma.
Ivana, adora todas essas convidadas!!!
Então….. é isso mesmo, “velha” tem que ser: “Quieta, recatada e do lar”. São tempos formais, inclusão da terceiridade é passe livre e fila preferencial… só.
Obrigada pela leitura, Cristina. A Inês é precisa.