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Quando comecei a levar a sério a ideia de me tornar escritora, fiz uma viagem a Trancoso, sul da Bahia. No alvorecer dos anos 1980, o arraial não tinha água encanada, nem luz elétrica. Em compensação havia a beleza de um mar e céu sem iguais. Pensei: Puxa, aqui seria um lugar incrível para escrever.
Mas a vida é como ela é. Trancoso foi um parêntesis. Logo eu estava de volta a Sampa, escrevendo ao som do trânsito e à mercê dos textos por encomenda. Volta e meia levantava os olhos da minha Olivetti Lettera 22 e me distraía imaginando lugares fantásticos para escrever textos de fato autorais.
Entre esses lugares, os arredores do Rio Pance na colombiana Cali, uma ruela na grandiosa Cusco, uma janela para Copacabana, um banco no Jardim de Luxemburgo, um pub com vista para o Tâmisa e, definitivamente, qualquer endereço em Veneza.
A associação entre escrita e ambiente ideal foi alimentada por grande escritores do século 20. Gente que deixava sua terra de origem para se inspirar com outras cores, hábitos e ares. Hemingway em Cuba, César Vallejo e Julio Cortázar em Paris, Saramago na ilha de Lanzarote, Drummond e Clarice Lispector no Rio de Janeiro. Só para ficar com alguns exemplos.
Eu nunca tive o desejo e as condições objetivas para me mandar de Sampa. Provavelmente morrerei aqui mesmo. Mas tento fazer das viagens de férias jornadas de inspiração. Daí me recordo em Veneza no ano 2005. Escrevia na minha caderneta na Plaza San Marco, nos vaporettos, na Praia do Lido.
Anotava, a exemplo dos desenhistas de moleskine, tudo o que me impressionava. Também insights para futuras histórias. Para cada dia em Veneza, escrevi uma sinopse. Ainda tenho a caderneta com as sinopses esperando serem desenvolvidas. Eis um perigo das anotações: permanecerem anotações.
Nas últimas férias me deslumbrei com o deserto do Atacama. Foram sete dias de descobertas e sensações. Dessa vez fui esperta. No lugar de anotar frases para o futuro, escrevi um diário para imediata postagem no meu site. Você pode ler o resultado em Atacama por inteiro. Fruta madura não serve apenas para consumo imediato, a madurez também ajuda a desapegar das fantasias.
Se você quer escrever, fará isso em qualquer lugar. Graciliano Ramos escreveu o relevante Memórias do Cárcere na cadeia que Getúlio Vargas o jogou. Aliás presídios parecem motivar. Vejo muita gente no xilindró dizendo Vou escrever um livro. José Dirceu e Eduardo Cunha prometeram contar tudo em livros.
Tirando os escribas de ocasião, os oportunistas de plantão, a verdade é que tanto faz a cidade ou a circunstância em que você se encontra. Inspiração nada tem a ver com idealização. O lugar do escritor é a sua alma.
Leia sobre minha estada em Veneza
Penso a mesma coisa Fernandaé algo wue faz despertar na meia noite e escrever hasta vaciar toda a cabeza e logo poder voltar a dormir.
Um abraço Fe goste
Kelva, querida, o lugar é de dentro de cada um, cada uma. Pena que a gente demore tanto tempo para perceber isso. EstamosJuntas.
Para quem tem olhos de ver, cada recanto estará de bom tamanho para produzir. Ótima reflexão, Fernanda!
Marisa Paifer, como os seus olhos. Beijo.
“Olhos de ver” é uma expressão muita bacana. Valeu, Marisa.
E eu, escrevo muito, muito, sempre, num lugar sempre igual e sempre diferente: dentro da minha cabeça… beijim Fê 😉
Eu sei, minha Re. Em breve, com o seu novo blog, vamos nos deleitar com a leitura. Beijo.
Eu tambem sou assim com minhas pinturas… Vou para os lugares e faço mil fotos…às vezes sai um quadro.. Às vezes fica no arquivo ‘fotos para quadros’.. . mas a luz, a sensação, ah esses ficam na alma
Nossa! Você com sua arte tão bonita. Muito legal a história do “arquivo de quadros”. Beijo, querida.
Esse texto me lembra o samba “O Poder da Criação”, de João Nogueira e Paulo César Pinheiro
Fabio, fui no YouTube ouvir. Lindo! Obrigada.
Oi Fe,
estivėmos em Veneza em 2006. Eu e Sérgio Santiago. Voltei achando que uma das minhas missões era dizer às pessoas que é fundamental conhecer Veneza! Indescritível!
Também visitamos a praia do Lido. O Sérgio também como escritor, quis muito visitar por causa do filme.
Ainda voltaremos lá! Beijos!
EstamosJuntas, Vanda. Veneza é tudo de lindo. Beijo em você e no Sérgio. Quer dizer que ele é meu colega?
Muita inspiração na sua alma!
Abraços!
Silvana querida, oxalá! Beijo, querida.
[…] as ideias estão lá. Se nada disso adiantar (e muitas vezes não adianta), a dica infalível é olhar para dentro de você e aguardar que o tema venha. Ele virá alegre ou tristemente. Mas […]