Ilustra: Carvall Antes de ser uma designer internacional de moda, Zuzu Angel (1921-1976) foi costureira – dessas que se debruçam sobre a máquina Singer e tratam agulha e linha com dedos de anjo. Antes de abrir uma loja de roupas no badalado Ipanema carioca, ela nasceu em Curvelo – uma das portas de entrada do sertão mineiro. Antes de se tornar persona non grata para os militares da ditadura, ela era a mãe de três filhos – duas moças e um rapaz, o Stuart Angel.
O itinerário de sucesso de Zuzu Angel se tornou trágico quando, um ano depois do desaparecimento de seu filho Stuart Angel (1946-1971), ela leu uma carta escrita pelo preso político Alex Polari de Alverga. Nela, Alex conta ter testemunhado o assassinato do jovem de 26 anos nas dependências do Cisa – Centro de Informação da Aeronáutica, na Cidade Maravilhosa. Angel era quadro de direção do MR-8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro – um dos vários pequenos grupos de resistência armada. Diz a carta:
Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem-número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semiesfolada, era arrastado de um lado para outro no pátio, amarrado a uma viatura e de quando em quando obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.
A partir da leitura da carta, Zuzu Angel se tornará incansável e irredutível na denúncia do assassinato do filho e na procura de seu corpo. Enterrar ou cremar corpos amados é direito básico e inalienável do ser humano. Somos – até aonde eu sei – a única espécie a fazer isso. Trata-se de um ritual de homenagem e encerramento.
Que digam, com lágrimas e propriedade, familiares e amigos dos desaparecidos durante a ditadura militar e nas favelas e periferias de hoje. Mães de Stuarts e Silvas se igualam no pranto. Zuzu Angel se tornou símbolo da mãe à procura do corpo do filho por tenacidade própria, mas também por suas circunstâncias. Já explicou o filósofo espanhol Ortega y Gasset: Eu sou eu e minhas circunstâncias.
Inteligente e bem relacionada, ela soube tirar partido da dupla nacionalidade do filho (brasileira e americana), chegando a entregar um dossiê para o então secretário americano Henry Kissinger. Também mobilizou algumas celebridades de Hollywood. Estas a conheciam pela excelência de seu corte e costura. Mas tudo isso foi em vão, pois as autoridades brasileiras negavam inclusive a prisão do rapaz. Seu rosto continuava impresso em cartazes de Procurados.
Zuzu estampou seu protesto e sua dor nos tecidos em que trabalhava. Se antes eles eram cheios de cor e de alegres motivos tropicais, agora vinham com pássaros engaiolados, anjos amordaçados e balas de canhão. Há quem diga que com essa ação, ela inaugurou a primeira coleção de moda política no Brasil. Quem passasse por ela dando bom dia, ouviria: Você pode ajudar a encontrar o corpo do meu filho?
Contam também que numa viagem aérea, minutos antes da aterrissagem, ela tomou o microfone da comissária e passou o seguinte recado aos atônitos passageiros: Vocês vão descer no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, Brasil. Saibam que neste país torturam e matam jovens estudantes.
Firmeza e insistência cessaram na manhã de 14 de abril de 1976. Na saída do túnel Dois Irmãos, na Estrada da Gávea, o carro de Zuzu bateu na mureta de proteção e capotou. Ela morreu na hora. Um tempo antes, ela havia deixado uma carta com o compositor Chico Buarque, na qual avisava: Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho.
Brinde: Do Chico Buarque para Zuzu Angel:
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar

Eu não compreendo, como, mulheres são capazes, nos dias atuais,vde sair às ruas, com cartazes, para pedir a volta da ditadura militar. E preciso, infelizmente, voltar a falar da DOR , causada pela ditadura militar.Fernanda, você faz bem em lembrar a triste realidade. A ditadura, como o genocídio de jovens negros mata discordantes veb e suas famílias.
Nila, pertinente seu comentário. Quem não conhece a história, tem mais chances de engolir propagandas pró-militares. Por isso é sempre legal “atualizar” a história recente do país. Beijo e obrigada pela leitura.
Fernanda este texto é maravilhoso. Importante documento de uma época, de uma trágica época que os jovens só ouviram falar.Eu tenho o filme que conta a história dessa grande mulher, dessa guerreira. Seu texto completou o que eu conhecia dela através do filme.Parabéns!
Ivana, foi horrível mesmo. E tudo isso não faz tanto tempo. Ser jovem não é desculpa para desconhecer a história. Eu nasci bem depois da ditadura do Getulio Vargas, no entanto, quando jovem, eu estudei o período do Estado Novo. Valeu. Obrigada pela leitura. Beijo.
Infelizmente, somos um país sem memória e imaturo.O povo foi às ruas pedir a saída de Fernando Collor. Anos depois,”ELE” se elegeu senador e passou a ocupar uma cadeira no plenário. O povo reclama, faz baderna…… meses depois recoloca no poder os mesmos corruptos.
A política é assim: areia movediça. Mas concordo, Isabela, a falta de memória é um desastre. Obrigada pela leitura.