Meu saudoso pai comprava flores no mercado municipal de Taubaté – Vale do Paraíba -, quando a florista esbaforida soltou a bomba: Acabei de ouvir no rádio que o velho se matou! O velho era Getúlio Dornelles Vargas, presidente do Brasil. O rádio, em 1954, era o principal veículo pelo qual os brasileiros ouviam músicas, programas humorísticos e notícias. TV era bem de ricos.
O que se seguiu foi uma agitação gigantesca. O falecimento de um presidente em exercício já seria motivo para um metralhar de aflições e análises. Mas a morte por suicídio – um tiro no coração – fez com que os brasileiros ficassem perplexos. O homem mais poderoso do país, de forma trágica, pulara para fora do poder e da vida.
Papai, com 23 anos, correu do mercado, pegou sua bicicleta e pedalou furiosamente. Com uma das mãos controlava o guidom, com a outra carregava um buquê de rosas vermelhas. Elas eram para a minha mãe que aniversariava naquele 24 de agosto. Ao saber do drama, mamãe ficou tão chocada que, à noite, eles não sopraram velinhas, nem cantaram o parabéns pra você.
O Rio de Janeiro, então capital federal, levou uma multidão para as ruas, a compor o cortejo fúnebre. Todos queriam ver alguma coisa do morto, pranteá-lo. O gaúcho, nascido em São Borja no ano de 1882, havia sido um 3 em 1: revolucionário, ditador, presidente eleito. Morto, em questão de horas, virou um mártir da nação.
Durante toda a minha vida, ouvi essa história repetidas vezes. Meu pai ressaltava o trauma político, a relevância de Getúlio para os trabalhadores, a oposição furiosa de seu maior inimigo Carlos Lacerda etc. Minha mãe realçava a parte do bolo, das velinhas apagadas, da comemoração frustrada. Eu nasceria um ano e dois meses depois.
Até hoje, quando aparece a oportunidade, pergunto para os mais velhos onde eles estavam quando souberam da morte de Getúlio Vargas. Todos – fãs e detratores – conseguem se lembrar. E invariavelmente fazem menção à última frase de sua carta de suicida: Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
Há pesquisadores que afirmam que a carta-testamento teria sido redigida por um escritor fantasma. Provavelmente, pois presidentes por falta de tempo ou de talento, em geral, não costumam escrever o que dizem. Mas isso importa pouco. Para o imaginário popular, a linda frase final é do nosso suicida mais famoso. Ponto final.
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