Não consigo contar quantas chuvas desabaram, quantas pedras rolaram, quantos pedágios paguei, quantos tomates comi, quantas pessoas amei, quantas detestei, quantas palavras escrevi. Mais de meio século não é vidinha à toa. Mas trago na memória fresquinho o Golpe Militar ocorrido há exatos 52 anos.
Lembro com precisão do mês de abril de 1964. Eu tinha oito anos, quando um delegado de polícia e soldados do exército invadiram minha casa e arrastaram preso meu pai. Foi a primeira vez que vi papai chorar. A segunda foi no enterro da minha avó. A terceira e última foi em novembro de 2013, quando ele concluiu que estava morrendo.
É evidente que na época nada entendi. Meu pai não era ladrão, não era corrupto, não tinha matado ninguém. Só depois descobri o motivo da prisão: ele era um brasileiro, como tantos outros, que tinha ideias políticas muito firmes. No caso dele, era um sindicalista bancário e comunista de coração e carteirinha.
Para os militares e civis que apoiaram a deposição da democracia, comunistas eram a encarnação do mal e portanto mereciam ir para a cadeia. Mais tarde, eles passaram a merecer não apenas a prisão, mas também a tortura e a morte. Foram tempos brutos.
O pessoal mais jovem, particularmente os nascidos na democracia, tendem a achar que a ditadura militar já é história. Época emoldurada em livros, por sua vez empoeirados em bibliotecas. Mas a vida não é simples assim. O passado político é como aquele ex que teima em não sair do circuito. Bobeou, ele invade a área.
Ou dito de maneira mais elegante: a liberdade de exprimir ideias, valores, sonhos precisa ser protegida todos os dias. Pois sempre haverá autoritários e violentos. Gente louca para, na primeira oportunidade, cortar cabeças libertárias, calar descontentes, cegar visionários, matar diferentes.
Durante minha adolescência e um bom pedaço da juventude, eu tinha que esconder alguns livros, ouvir baixinho algumas canções, escrever fatos com metáforas, policiar até pensamentos. Hoje isso acabou. Falo, leio e escrevo o que quero.
Tenho certeza que, ao menos por enquanto, não irei para a prisão por me expressar assim ou assado. Posto livremente no Facebook. Curto, comento, compartilho sem me preocupar com a censura, a repressão, a perseguição. Mas, passado meio século, o sofrimento impingido a minha família e a mim não se apaga.
A ditadura deve ser lembrada para não ser repetida.
Memória é antídoto poderoso. Obrigada pela leitura!
[…] Milhões de brasileiros tiveram suas vidas marcadas a partir do Golpe, bem próximas a mim, meu pai e minha mãe. Escolhi postar a história de uma dessas pessoas, a de Amelinha Teles – […]
[…] ditadura e o direito à memória política. Quando eu tinha oito anos, rolou o golpe militar de 64. Meu pai, comunista e sindicalista, foi preso. Também foi demitido do Banco do Brasil, sem direito a nada. […]
[…] nunca o vi reclamar com os não pagantes. Primeiro porque ele amava livros, segundo porque era homem de esquerda que desprezava ganhar dinheiro. Ele deixou a livraria para o sócio quando, com a anistia […]
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