Esta história foi vivida em 1979 na seção de revisão da Folha de S. Paulo. Nessa época os jornais levavam a sério crases, hífens, concordâncias nominal e verbal.
A salinha dos revisores de anúncios, mal-ajambrada, ficava grudadinha no departamento de paste-up – onde, sob o forte cheiro de benzina, profissionais com estiletes em punho montavam as páginas do jornal.
Os revisores labutávamos em dupla. Um sentado na frente do outro. O primeiro lia em voz alta, enquanto o segundo acompanhava letrinhas, pontuações, acentos. Tínhamos um código sonoro: uma batida na mesa significava vírgula. Duas, o ponto final.
Minha parceira era a Carminha Fernandes, hoje hábil editora. Foi ela quem batalhou para eu ser admitida na Folha. Foi também quem me apresentou ao Bar das Putas – o atual e aburguesado Sujinho, esquina da Consolação com Maceió. Lá, pelas 23h, jantávamos um virado à paulista.
O trabalho de revisão era intenso e responsável. Qualquer mancada em um anúncio, obrigava o jornal a publicá-lo gratuitamente na edição seguinte. Fazíamos tudo para acertar. Afinal, todo profissional pode se equivocar, com exceção de cirurgiões, pilotos de avião e revisores.
Momento de concentração máxima era para o Obituário. Uma vez, um cochilo tornou-se trágico. O revisor deixou passar prazer por pesar. A frase foi publicada: A família tem o prazer de informar o falecimento do patriarca…
Carminha e eu conferíamos em voz alta: cruz, estrela. Repetíamos e repetíamos: cruz, estrela. Se o anúncio fúnebre de um Isaac saísse com a Cruz de Cristo no cabeçalho e o de um João da Silva com a Estrela de David, dava demissão na certa. Por justa causa.
Nunca havia imaginado que era assim o setor de revisão.Legal.
Silvana, é todo um universo. Beijo.
[…] Publicado originalmente no Sateljornal, sob edição da Carminha Fernandes. […]
[…] do formato da ideia, da escrita propriamente dita também. Comece, continue e termine. Depois vem a revisão: checagem de ortografias, nexos sintáticos, resultados semânticos. Aqui você deixa de ser […]