A primeira vez que eu soube dos italianos foi pela voz de Rita Pavone, com o hit Datemi un martello. A jovem cantora, com cabelos curtos, suspensórios segurando a calça comprida e uma estonteante gesticulação, era coqueluche nacional. De outras italianices conhecia pouco. No Rio de Janeiro da minha infância, nos anos 1960, pizza era um prato raro. Na Tijuca, então meu bairro, apenas o Café Palheta da praça Saens Peña oferecia a iguaria e somente na versão mussarela. A Europa que corria pelas veias cariocas era portuguesa.
Foi mudar para São Paulo e a Itália desabrochou diante dos meus sentidos. Dos sobrenomes dos colegas – Cavalhieri, Cupini, Nascimbeni, Biancarelli, Pecci, Puglia, Biasi – às pizzarias à volta de cada esquina. Depois, fui apresentada aos tortelones, penes, nhoques, lasanhas, capeletes; aos queijos gorgonzola, mascarpone, ricota, provolone. Um pouco mais tarde, saboreei os tintos Valpolicella, Barolo, Chianti.
Mas a Itália não me pegou só pelo estômago. Ao ouvir histórias dos mais velhos, soube da importância dos imigrantes na cultura cafeeira, no comércio, na industrialização de São Paulo. Estudei a vigorosa participação de italianas e italianos anarquistas, ao lado de espanholas e espanhóis, na formação do movimento operário brasileiro e na deflagração das primeiras greves.
Na arte e arquitetura, a contribuição foi tremenda. Basta lembrar que o primeiro arranha-céu da América Latina, com 30 andares, foi construído, em 1929, pelo comendador Giuseppe Martinelli. Recordar das esculturas de Victor Brecheret, entre elas, o Monumento às Bandeiras, mais conhecida como “empurra-empurra” no Ibirapuera.
Sem esquecer a genial Lina Bo Bardi, autora do vão-livre do Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Os ítalos também meteram os pés no futebol. Além de fundarem o Palestra Itália, atual Palmeiras; o primeiro gol do arquirrival Corinthians foi marcado pelo carcamano Luigi Salvatore Fabbi.
Ao menos, criaram duas celebridades. Um larápio e um conde. Gino Meneghetti foi ladrão que virou lenda. Exímio saltador de telhados, enganou a polícia muitas vezes e declarava só roubar dos ricos. Já o conde Francesco Matarazzo entrou para o almanaque como dono de fazendas, indústrias e gente. Seus descendentes moraram numa bela mansão na avenida Paulista com a Pamplona. Num desrespeito à memória da cidade, o casarão foi posto abaixo. Virou estacionamento e depois shopping center.
Ladrão e conde à parte, a alma italiana é alma laboriosa. Ela sobrevive nos milhões de descendentes e segue dinamizando toda São Paulo. Para quem quiser alongar a viagem, recomendo o livro Brás, Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado. Nele imigrantes italianos, na década de 1920, são flagrados em seus cotidianos de linguagem, miséria e poesia. A literatura salva.
[…] evidente que a liberdade de Lina Bo Bardi – italiana de nascimento, brasileira de arquitetura – foi consequência dela não fechar fileiras. Não […]