Um prefácio que virou orelha

Livro de contos do Mário Baggio

Recorte da capa do livro Recorte da capa do livro

Um dia abrindo meu e-mail dei de cara com um convite que me honrou e intimidou ao mesmo tempo. Nele, o escritor, blogueiro e amigo Mário Baggio me convidada para escrever o prefácio de seu livro A mãe e o filho da mãe – e outros contos. Enrolei o mais que pude (abusando da paciência do amigo). A ideia de um prefácio para um livro impresso me assustou. Nesses últimos tempos, ando líquida, interneteira, blogueira. Hoje sei que posso escrever, errar, corrigir, rescrever, editar novamente. A palavra impressa me dá medo. Pois sei que o escrito estará tal qual daqui a um mês ou 40 anos. Adiei o compromisso do prefácio o mais que pude. Até que fui passar uns dias na Barra do Saí, litoral norte de São Paulo. Lá encarei o manuscrito do A mãe e o filho da mãe. E me apaixonei por cada conto. A leitura me encheu de prazer e numa tarde, depois da praia, escrevi o prefácio. Enviei para o Mário Baggio. Ele então me respondeu: 1. tinha gostado muito. 2. não entraria como prefácio. 3. seria a orelha do livro.

A Orelha

Há doces e doces. Da mesma forma que há contos e contos. Os do Mário Baggio são de confeitaria fina. A massa é leve, o açúcar na medida certa, o sabor de deixar saudade na boca. Como na culinária, a literatura é  questão de acertar o ponto.

Um livro de contos é empreitada caprichosa. Várias histórias curtas reunidas em um só espaço. A expectativa do leitor é encontrar unidade e diversidade. Pois o Mário Baggio, autor cheio de recursos, consegue que a gente enxergue a unidade – personagens flagradas em altas doses de sua humanidade, sem que a leitura canse. Quando a gente menos espera, o contista diversifica. Muda de tema, tom, tratamento. Ele vai abrindo janelas.

No momento em que você vai concluir: É um autor realista, Mário troca o registro para o fantástico. Por exemplo, um garoto com cinco olhos, ou uma galinha que vira águia. Quando nosso estômago embrulha com a cena do pai abusando da filha criança, o livro salta para a ternura extremada do sujeito que, por amor, tudo permite. Até a infidelidade da companheira.

Porém o melhor de tudo, a fonte de prazer do livro, é a mente aberta do escritor. Em um dos contos, a personagem classifica as pessoas pelos sapatos que usam. Em um vagão do metrô vai traçando perfis a partir de tênis, sandálias, sapatos de couro. Trata-se de uma outra pegada do olhar. Pegada presente em todo o livro.

A mãe e o filho da mãe e outros contos costura para dentro e para fora. Não se furta a temas fortes como racismo, violência doméstica, abuso sexual infantil, Alzheimer, ditadura etc. Mas tudo é narrado do jeito que a vida é, isto é, com porcentagens de dureza e de ternura. Para mim foi uma leitura-deleite. Melhor ainda, leitura que perdura nas esquinas da memória.

Serviço:

A mãe o filho da mãe – e outros contos

Autor Mário Baggio

Editora Autografia

Ano 2017

Páginas 170

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