Ninguém morre pronto

O relógio não para nunca, nem eu

Arte Régine Ferrandis Arte Régine Ferrandis

Não existem vantagens aparentes em envelhecer. Vamos perdendo a energia física, o viço da pele, a água dos olhos. Isso sem mencionar que nos tornamos invisíveis para os muito jovens. E, é claro, ficamos mais perto da morte, mesmo sabendo que ninguém morre pronto.

Tiro por mim mesma, estou a um mês de completar meus 62 anos. Nossa, 62 natais, 62 carnavais, 62 setes de setembro, 62 velinhas! E quando penso que em míseros três anos terei 65, aí o espanto se expande. Fica da largura do rio Amazonas, o imenso!

Mas se houver gente jovem me lendo, digo: envelhecer é incontornável, compulsório, inexorável. Seu único antídoto é morrer jovem. Como ninguém quer morrer, ficar velho ainda vai acontecer com você! E a coisa é bastante rápida!

No entanto há uma vantagem maravilhosa em acrescentar anos ao currículo de vida. A vantagem de mudar muitas vezes de foco, opinião, comportamento, atitudes. Já perdi a conta de quantas Fernandas fui.

Fui a Fernanda sonhadora. Fui a ideológica, cética, pragmática, confusa, linear, digital, doce, amarga, confiante, insegura. Fui a Fernanda que imaginou que mudaria o mundo e também a Fernanda de cabeça e mãos vazias.

Daí, concluí que sou mesmo uma metamorfose ambulante, emprestando a expressão do baiano genial Raul Seixas (1945-1989). E creio, de verdade, que a maioria dos que estão envelhecendo são seres mutantes o tempo todo.

Pois quem provou do mel, sabe do sal. Quem adorou um ídolo, sabe da decepção. Quem subiu aos ares, já desceu ao chão. Quem caiu no buraco, conseguiu sair dele. Tudo isso muitas vezes. Alguns fizeram ao saltos. Outros, lentamente.

Saber-se é outra vantagem do envelhecer. Mas a maior de todas é o aprender sem parar e o aprender a si mesmo. Compreender que se ganha muitas guerras, mas nunca todas. Saborear, mesmo que com dentes de porcelana, a deliciosa palavra humildade.

Humildade para aprender com a garotada que tem dificuldade de nos ver, mas olha para as coisas do mundo com uma sede nova. Habita o ambiente digital com familiaridade de causar inveja. E, principalmente, deseja um mundo mais participativo.

Enfim, bem-vindos 62 anos! Vou seguir na sala de aula, mesmo que ela seja a céu aberto, digital, móvel, heterodoxa. Mesmo que os bancos sejam os do metrô. E os quadros-negros sejam as ruas.

menina aprendendo a andar

A blogueira aprendendo a andar


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