Apagões

Um dia fora de Sampa foi o suficiente para aniquilarem uma casa da rua vizinha à minha. Quando voltei do litoral, dei de cara com o…

Foto: Fernanda Pompeu Foto: Fernanda Pompeu

Um dia fora de Sampa foi o suficiente para aniquilarem uma casa da rua vizinha à minha. Quando voltei do litoral, dei de cara com o nada. Essa casa ficou à venda por três anos. Daí alguém comprou e, com muitos reais sobrando, planejou: Vou botar tudo no chão e erguer os quartos, as salas, os banheiros, a varanda dos meus sonhos.

Meu espanto foi com a velocidade do fato. Como é fácil destruir, derrubar, desmontar, desfazer, delinquir. Quanto tempo precisa para construir uma casa? Ano, ano e meio? Para derrubá-la? Dezesseis horas? Dezessete horas e treze minutos?

Impossível se furtar às analogias. Quantas décadas para aperfeiçoar uma democracia? Quantas semanas para instaurar uma ditadura? E um texto? Um dia inteiro para redigir cinco parágrafos curtos. Três minutos para ler e passar para outro assunto.

Mas a pergunta mais intrigante é quanto tempo levamos para esquecer?

Na minha puberdade, estudei num colégio que funcionava em um casarão. Havia salas enormes, escadarias de madeira que rangiam sob o tropel das alunas.

Havia um auditório com portas laterais que se abriam para um alpendre. No pátio do recreio, árvores carregadas de frutas. Tinha também um refeitório magnífico. Derrubaram tudo em duas semanas.

Necessitaram de menos de 365 dias para pôr no lugar do Instituto Lafayette feminino uma loja Mesbla. Feia na sua arquitetura de quadrado. Opressiva na sua ausência de janelas, árvores, graça. Um mastodonte a mordiscar as ranhuras da minha memória.


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