A primeira menstruação

Coisa de meninas

Ilustra Jana Joana Ilustra Jana Joana

Quem indicou meu trabalho para a revista Nova Escola, da Abril, foi a escritora e amiga Silvinha Meirelles. A encomenda: escrever uma pequena história para a garotada debater em sala de aula. Pra mim era um tremendo desafio encontrar o tom de uma narrativa infanto-juvenil. Mas encarei e assim nasceu A Primeira Menstruação. Originalmente o título era Tudo Isto por Aquilo. Aqui no Fernanda Pompeu Digital, mudei para A Primeira Menstruação por considerar mais direto, portanto mais fácil de ser encontrado nos sites de busca. Enfim, convido você para conhecer a menina Marina e a avó dela também.

Não tem nada a ver, mãe! Marina zangou-se.
A menina contava um dilema e a mãe, no lugar de ajudá-la, viera com o diário da avó:
Marquei a página para você ler, filha.

Ler o quê? Nas últimas quatro horas tudo o que Marina desejava era sumir do planeta. Será que o diário da avó explicava como desaparecer? Será que no século passado as meninas tinham os mesmos problemas que as garotas do século 21?

Com o diário debaixo do braço, Marina trancou-se no quarto. Apesar da escuridão não acendeu a luz. Deitou-se na cama e olhou para o Saturno fosforescente grudado no teto. Bem que ele poderia aceitá-la para fazer companhia aos seus anéis.

Decidiu: esta noite, não iria à festa de aniversário de sua melhor amiga. A turma combinou vestir-se de branco.
Nem pensar! – Marina gritou para o Saturno fosforescente.
Vai que, de repente, uma mancha aparecesse na roupa. Seria o fim de Marina Tobias Santos!

A partir de agora, Nina, você é uma mocinha, a mãe dissera.
Decidiu novamente: ficaria para todo o sempre no escuro. Passariam segundos, minutos, horas, anos, décadas, séculos, a eternidade, e ela seguiria jogada na cama. Os anéis de Saturno cresceriam, se tornariam correntes capazes de dar uma, duas, dez voltas ao mundo, e ela seguiria trancada no quarto.

Talvez eu até queira ser uma mocinha. O que não quero é correr o risco do Caio e do Diogo fofocarem para todo o colégio. Meninos estão livres desta história. Quando estouram guerras, eles são chamados para morrer, meninas não. Pelo motivo de perdemos sangue mensalmente?

Marina sabia que um dia aconteceria. Mas não precisava ser hoje. A mãe tentara um consolo:
Você se acostuma.
Passa rápido?
Daqui uns trinta anos…

Como superar o temor de que alguém desse com a língua nos dentes? Se Saturno fosse um astro camarada, mandaria uma corda para alçá-la ao infinito. Ela, então, planaria no espaço sideral entre estrelas, asteroides, cometas.

Acendeu a luz. E se fosse vestida de preto? Não, todos desconfiariam. Para descansar da aflição, abriu o diário da avó, na página marcada:

14 de outubro de 1955
Hoje fiquei menstruada. Apesar do medo de alguém ficar sabendo, viajei com a turma toda para Paquetá. Na ilha, andei de bicicleta, comi pipoca e troquei de namorado (mas ainda é segredo). Deu tudo certo.

Marina entendeu por que sua mãe havia passado o diário da avó. Compreendeu que as pessoas escreviam para que outras pudessem se encorajar. Gostou da ideia. Foi para a frente do computador, conectou a Internet. Procurou um programa de blog. Criou o seu e começou:

7 de janeiro de 2017
Querido blog, hoje aconteceu algo muito importante para a minha vida de mulher. Achei até que o mundo ia acabar. Mas, como você percebe, ele não acabou. Agora paro de contar, vou tomar banho e me vestir de branco para a festa de aniversário da Júlia. Depois escrevo o que ainda vai acontecer.
Fui.

Leia também O príncipe menstruado


Tags: , , ,

Comente

Uma resposta para “A primeira menstruação”

Deixe uma resposta

Antes de enviar, por favor resolva a questão: *